A escolha da advogada Estela Aranha pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para uma das sete cadeiras do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve fortalecer a Corte para lidar com desinformação e eventuais conflitos com as plataformas digitais nas eleições de 2026.
Estela tomou posse como ministra efetiva na vaga destinada à classe dos juristas, para um mandato de dois anos, na sexta-feira, 1º, mas a sessão solene foi realizada nesta terça-feira, 5. Sua especialidade, o direito digital, foi visto como o seu grande ativo para superar as concorrentes Vera Araújo, preferida da primeira-dama Rosângela Silva e do Grupo Prerrogativas, e Cristina Maria Neves, na corrida pela vaga.
A nova magistrada foi secretária nacional de Direitos Digitais (Sedigi) do Ministério da Justiça e Segurança Pública na gestão de Flávio Dino e assessora especial da Presidência da República, antes de deixar o governo para trabalhar no gabinete de Cármen Lúcia, atual presidente da Justiça Eleitoral e também ministra do Supremo Tribunal Federal (STF).
Estela é descrita pelo tribunal como "referência nacional e internacional em direitos digitais, regulação de tecnologias emergentes e inteligência artificial", e sua experiência nessa área foi destacada por Cármen na solenidade de posse realizada no plenário do TSE.
"Vem acrescentar e ajudar esta Justiça Eleitoral a ministra Estela Aranha, especialista em direitos digitais. Foi assessora da presidência deste TSE, foi secretária de direitos digitais no Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). É uma das grandes especialistas que muito tem colaborado na formulação de acordos e tratados sobre esses temas tão pertinentes e necessários para a Justiça Eleitoral", afirmou Cármen à ex-assessora.
A advogada também participou das discussões dos dois projetos elaborados pelo governo Lula para regular as big techs - ambos hoje parados na Casa Civil à espera de um "timing político" para serem enviados ao Congresso. Mas foi à frente da Sedigi que ela consolidou a reputação junto ao então ministro Dino, principal cabo eleitoral de sua campanha junto ao presidente.
No olho do furacão
Uma série de eventos no primeiro ano do governo Lula colocou Estela no olho do furacão. Além da crise do 8 de Janeiro, em que as plataformas digitais sofreram pressão pela onda de desinformação eleitoral que havia culminado nos ataques e foram acionadas judicialmente para identificar bolsonaristas investigados pelos ataques, o País viveu naquele semestre uma sequência de atentados a escolas e a discussão do projeto de lei 2630, o chamado PL das Fake News, que visava regular o setor das big techs e foi engavetado após forte lobby das companhias.
Nos seis meses após a vitória de Lula na eleição de 2022, o Brasil passou por uma onda de ataques em escolas - Aracruz (25 de novembro de 2022), a tentativa de Monte Mor (13 de fevereiro de 2023), São Paulo (27 de março de 2023) e Blumenau (5 de abril de 2023) - que colocou tanto as redes sociais e aplicativos de mensagem na berlinda quanto elevou a cobrança sobre o governo federal. Uma das respostas foi a criação da Operação Escola Segura, projeto coordenado na Sedigi de Estela.
A então secretária chamou a atenção pela postura rígida na rodada de reuniões que o governo Lula fez com as big techs na esteira do 8 de Janeiro - que incluiu pressão sobre as plataformas para uma derrubada mais célere de conteúdo criminoso e uma conversa via Zoom com o bilionário Elon Musk quatro dias depois do episódio.
Quando Ricardo Lewandowski assumiu o lugar de Dino no ministério, o perfil de Estela foi um dos motivos para sua demissão. Se o seu trato com as big techs agradava o antigo chefe, a equipe do novo ministro considerava que ela era "combativa demais com as redes sociais".
Contraponto no tribunal
Na disputa presidencial do ano que vem, Estela poderá ser um contraponto de destaque no TSE. Isso porque a Corte estará comandada por dois aliados de Jair Bolsonaro: Kassio Nunes Marques como presidente e André Mendonça como vice - ambos nomeados para o STF pelo ex-presidente.
Apesar de haver uma expectativa no governo Lula de que Marques não vai se dobrar ao bolsonarismo, também não se espera que ele vá enfrentar as plataformas digitais, papel que integrantes do Executivo esperam que Estela exerça. Durante as campanhas eleitorais, o TSE se torna uma espécie de trincheira na batalha entre adversários políticos. A corte vem ganhando preponderância na medida em que a comunicação digital ocupa centralidade nas eleições, e o conteúdo que pode ou não circular passa pelo crivo dos ministros.
O terceiro ministro nas vagas destinadas ao STF no ano que vem será Dias Toffoli, que hoje mantém uma relação fria com o Palácio do Planalto e deve ser o fiel da balança nas decisões da Corte.
Já Floriano Marques, reconduzido ao cargo na mesma cerimônia de posse de Estela, é visto como "linha de transmissão" de Alexandre de Moraes, seu padrinho no tribunal e considerado intransigente com as empresas de tecnologia. Antonio Carlos Ferreira e Ricardo Villas Bôas Cueva, nomes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), fecham a composição.
Se os conflitos da eleição de 2022 se repetirem no ano que vem com uma artilharia entre as campanhas pela derrubada de publicações dos rivais, o TSE deve se ver novamente num caldeirão. A proximidade das plataformas com o governo Trump, abertamente defensor de Bolsonaro e desafeto de Lula, o avanço da tecnologia de inteligência artificial e a continuada falta de regulação das redes sociais devem empurrar a Corte ainda mais para o centro da disputa democrática.