No Centro das Atenções
Alysson Coimbra*
A validade de 10 anos da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) é uma anomalia que coloca em risco a segurança viária no Brasil. Estabelecida sem o devido embasamento em pesquisas e sem a consulta a especialistas em segurança viária e saúde, essa regra ignora a dinâmica da saúde humana, que sofre alterações significativas ao longo de uma década. Enquanto para motoristas profissionais e de veículos pesados a renovação a cada 5 anos com exames médicos e psicológicos é obrigatória, para a maioria dos condutores, dez anos se passam sem qualquer avaliação, criando um vácuo perigoso no monitoramento da saúde e das habilidades de quem está ao volante.
Pior, os motoristas comuns têm sua saúde mental avaliada uma única vez, apenas quando ingressam no processo para obtenção da carteira nacional de habilitação. A realidade é que em 10 anos, condições físicas e mentais podem se deteriorar, comprometendo a capacidade de dirigir com segurança. Doenças silenciosas, como diabetes, hipertensão e problemas de visão, podem surgir e evoluir sem serem detectadas, tornando-se fatores de risco para acidentes.
A saúde mental, crucial para uma condução segura e responsável, é completamente negligenciada no modelo atual. No país que lidera o ranking mundial de ansiedade, no qual o transtorno se tornou uma epidemia, especialmente entre os jovens, seus impactos no trânsito são alarmantes.
Diariamente vemos exemplos nas redes sociais e imprensa de brigas, desentendimentos e sinistros de trânsito provocados por motoristas imprudentes, violentos e agressivos.
O uso excessivo de telas, tão comum nos dias de hoje, agrava o problema, comprometendo a concentração, aumentando a impulsividade e prejudicando o sono. O bombardeio incessante de informações e estímulos provoca a chamada “síndrome do pensamento acelerado”, que afeta diretamente a capacidade de foco e atenção.
Como consequência, temos motoristas ansiosos, com tempo de reação reduzido e maior propensão a tomar decisões arriscadas, transformando as ruas em espaços de perigo.
Dados alarmantes mostram que a desatenção, frequentemente associada à ansiedade, figura entre as principais causas de acidentes em nossas rodovias. A ausência de exames psicológicos periódicos na renovação da CNH é uma omissão grave. A avaliação psicológica não visa apenas identificar patologias, mas também avaliar aspectos como atenção, concentração, tempo de reação e controle emocional, fundamentais para uma condução segura. A inclusão desses exames seria um importante instrumento de prevenção, permitindo o diagnóstico precoce de problemas e a adoção de medidas para mitigar riscos. Estaríamos, assim, protegendo não apenas o condutor, mas a sociedade como um todo.
Quando políticas públicas são modificadas e já instantaneamente nos dão muitas sinalizações, como aumento de acidentes e de mortes, é preciso mudar. Ampliar o prazo para a renovação da CNH trouxe consequências imediatas. Agora, precisamos não só aprimorar e reajustar a legislação, mas também investir em ferramentas que façam a diferença na mudança do comportamento do motorista.
Renovar a CNH a cada 5 anos, com a obrigatoriedade de exames médicos e psicológicos para todos os condutores, independentemente da categoria da habilitação, é uma medida urgente e necessária. Não podemos continuar ignorando a dinâmica da saúde humana e os riscos que a ausência de acompanhamento representa para a segurança viária. A saúde mental precisa ser parte integrante da política de trânsito, e a renovação da CNH é a oportunidade ideal para implementá-la. Trata-se de um investimento na prevenção, na saúde pública e na construção de um trânsito mais seguro para todos.