Tráfico reage a plano do presidente do Equador de 'mão pesada' contra o crime, dizem analistas

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O Equador experimenta uma escalada da violência extrema. Sequestros de policiais, incêndios de veículos, atentados com bombas e fuga de presos foram registrados nesta terça-feira, 9, ao redor do país, apenas um dia depois de que o presidente Daniel Noboa declarasse o estado de exceção na nação pela fuga de Adolfo Macías Salazar, alias "Fito" - líder de Los Choneros, a maior organização criminosa do país.

O terror inundou o país durante o dia. Nesta tarde, a polícia equatoriana confirmou que 7 policiais foram sequestrados. Três deles foram abduzidos nesta madrugada em Quevedo, a cerca de 140 km de Quito. Outro foi sequestrado na capital do país e ainda não há informações do resto.

Uma série de explosões foram registradas ao redor do Equador. Em Esmeraldas, no norte do país, pelo menos um veículo foi incinerado por membros das gangues. Vários carros também foram incendiados nas cidades de Riobamba, Azogues e Guayaquil. Já em Quito, houve uma explosão em uma ponte e o incêndio de um veículo com bombas de gás inseridas no seu interior. Uma motocicleta também foi incendiada nos arredores da capital.

Uma das detonações atingiu o exterior da casa do presidente da Corte Nacional de Justiça, Iván Saquicela, em Quito, sem registro de feridos.

Na província de Cuenca foram registradas pelo menos 5 ocorrências de explosões.

Além disso, em Guayaquil, homens armados e encapuzados invadiram o estúdio da emissora TC Televisión e ameaçaram os jornalistas e cinegrafistas. Sem dar mais detalhes, a polícia anunciou que controlou a situação no fim da tarde, com "várias prisões", e divulgou fotos que mostram pelo menos dez suspeitos deitados no chão, com as mãos atadas por lacres plásticos. Ninguém ficou ferido.

Hoje o Secretário de Comunicação da Presidência, Roberto Izurieta, advertiu que o governo não cederia à pressão. As autoridades afirmaram que prenderam duas pessoas suspeitas de uma das explosões e apreenderam uma arma de fogo e 16 dispositivos explosivos. "Os dois suspeitos supostamente deixaram uma mala abandonada e incinerada nos fundos de uma unidade policial em Quito, informou a polícia.

Nesta tarde, o presidente Daniel Noboa decretou que o país encontra-se em um "conflito armado interno" e considerou 22 facções como organizações terroristas, autorizando posteriormente as Forças Armadas do Equador a agir para combater os grupos.

"Ordenei às Forças Armadas que realizem operações militares para neutralizar esses grupos", disse o presidente nas redes sociais.

"Estamos vivendo uma onda de terror a causa de grupos narcotraficantes", disse ao Estadão Kleber Carrión, ex-oficial da Polícia Nacional Equatoriana e especialista em segurança e inteligência. "Há uma grande comoção em todas as províncias, especialmente nas províncias da costa, com muito medo e no aguardo de que o estado reaja com firmeza e dureza aos ataques dos grupos delitivos", afirmou ele.

"Isto está ocorrendo poucos dias depois da fuga da prisão de 'Fito'. Ele é o líder de uma destas organizações e parece ter muita influência sobre o resto dos grupos. [A influência] não seria no sentido ideológico, os grupos compartilham os mesmos objetivos que Fito: causar terror em todo o nosso território", afirmou o especialista, que acredita que os acontecimentos recentes possam ser uma espécie de ação retaliatória contra as políticas do Estado.

Neste domingo, 7, o governo afirmou que o narcotraficante Fito fugiu da cadeia. Na segunda-feira, 8, pelo menos seis presídios do país tiveram um cenário de caos, com rebeliões internas, incluindo a retenção de agentes penitenciários por detentos e a queima de colchões. Na Prisão Regional, onde se encontrava Fito, os detentos escreveram no pátio com pedras "PAPA FITO" e "FATALES GTR" em referência a outra organização criminosa. Em um campo esportivo do mesmo complexo haviam pintado "CON FITO SEMBRAMOS PAZ" ("com Fito semeamos paz").

Carolina Andrade, secretária de segurança de Quito, disse em entrevista ao Estadão que a escalada da violência deixou o país em estado de sítio nesta terça-feira, e que o Estado está buscando mobilizar seus ativos para controlar o cenário. Ela acredita também que alguns dos acontecimentos de hoje dão indícios de ser uma reação direta destes grupos criminosos às decisões recentes de Noboa.

Durante sua campanha à presidência do país, Daniel Noboa prometeu comprar barcos-prisões para abrigar, a 80 milhas da costa do oceano Pacífico, os líderes de gangues nacionais, que durante anos conseguiram controlar o narcotráfico e a violência urbana dos complexos prisionais sem interferência efetiva do Estado.

Em dezembro, o novo presidente afirmou que esta seria apenas "uma medida complementar e provisória para segmentar e retirar os presos que representam ameaças reais à segurança cidadã e nacional, mantendo-os isolados até que as prisões de segurança máxima e supermáxima sejam concluídas". Pouco tempo depois, ainda no mês anterior, seu governo ordenou a construção de duas prisões de "segurança máxima e supermáxima" no "estilo salvadorenho".

Noboa busca imitar as políticas de "mão pesada" promulgadas por Nayib Bukele em El Salvador, quem declarou guerra às gangues e impulsionou uma onda de prisões compulsórias no seu país, sendo acusado posteriormente de violar os direitos humanos pela natureza imprecisa das ordens de prisões e os maus tratos contra os detentos.

Os últimos três governos do Equador tentaram criar soluções para a crise prisional da nação, mas não tiveram sucesso. Os complexos prisionais abrigam mais de 31 mil detentos e funcionam, indiretamente, como a base de operações dos narcotraficantes locais.

Mas para Carolina Andrade, o problema da violência no país é mais profundo. A nação sul-americana já tem uma prisão de segurança máxima (La Roca), que passou por reformas em 2022 para isolar os líderes do crime organizado. E as instituições de segurança enfrentam grandes dificuldades para prever e controlar as atividades dos cartéis e gangues. "Há uma grande infiltração dos grupos criminosos no nosso sistema", disse a secretária de segurança de Quito. "Os mecanismos de inteligência do Equador não conseguem dar conta das ações destes grupos e acaba se tornando extremamente difícil gerar informações prévias para evitar que aconteçam estas ondas de violência".

"Estes eventos têm o objetivo de espalhar o medo e a propaganda para desestabilizar o país", disse Carolina Andrade.

O Equador está passando por uma crise de segurança sem precedentes desde o ano anterior, quando membros de gangues assassinaram o jornalista e candidato presidencial Fernando Villavicencio na saída de um comício em Quito. Desde então, os casos de violência extrema tiveram um aumento no país, com atentados a outros políticos, explosões de carros-bomba, sequestros e assassinatos. Uma série de investigações da polícia equatoriana indicam que a morte de Villavicencio foi ordenada por criminosos na prisão de Cotopaxi.

Noboa assumiu a liderança do Equador em novembro do ano passado com o desafio de acabar com a crise da segurança, mas a dois meses da sua pose, os assassinatos no país atingem níveis históricos, com 40 homicídios para cada 100 mil habitantes. Mas o presidente advertiu recentemente que não "negociará com terroristas" e prometeu que não descansará "até devolver a paz a todos os equatorianos".

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O governo Lula rechaçou a sondagem feita pela administração Trump para categorizar o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), as duas maiores facções criminosas do País, como organizações terroristas.

A opção foi sugerida durante uma reunião na tarde desta terça-feira, 6, em Brasília, entre autoridades do Brasil e uma comitiva liderada por David Gamble, chefe interino da coordenação de sanções do Departamento de Estado americano. Servidores dos ministérios das Relações Exteriores e da Justiça e Segurança Pública e da Polícia Federal participaram do lado brasileiro.

Os enviados da Casa Branca alegaram, segundo relatos de pessoas envolvidas, que a legislação americana permitiria sanções mais pesadas contra PCC e CV se eles fossem enquadrados como terroristas pelo governo do Brasil. Isso porque o sistema penal dos Estados Unidos é mais duro com esse tipo de atividade.

Gamble e sua comitiva também mencionaram que o FBI (a Polícia Federal americana) avalia que o PCC e o CV estão presentes em 12 estados americanos, como Nova York, Flórida, Nova Jersey, Massachussets, Connecticut e Tennessee.

As duas facções têm usado o território americano para lavar dinheiro, por meio de brasileiros que viajam ao País, de acordo com membros da comitiva de Trump. Eles citaram que 113 brasileiros tiveram visto negado pela Embaixada dos Estados Unidos após terem sido identificadas como ligadas às quadrilhas.

O argumento dado pelo governo brasileiro é que o sistema legal nacional não considera facções criminosas como terrorismo, uma vez que a atuação desses grupos não atendem a uma causa ou ideologia, mas sim a busca por lucro de diversas atividades ilícitas.

De volta à Casa Branca, o presidente Donald Trump tem colocado a preocupação com a entrada de imigrantes no País como sua principal batalha. No primeiro mês deste mandato, o republicano declarou emergência na fronteira e designou cartéis de drogas como organizações terroristas - o que ele agora quer fazer com as duas maiores quadrilhas brasileiras.

Autoridades brasileiras também argumentaram a Gamble que o Brasil tem se dedicado a implementar políticas públicas para combater facções como o PCC e o CV. O plano de fortalecer a integração com os demais países da América Latina foi mencionado no encontro.

Os presídios federais, onde governos têm isolado lideranças das cúpulas dessas quadrilhas, e operações feitas em conjunto pelas polícias e Ministérios Públicos - como, por exemplo, por meio dos Grupos de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) - também foram foram colocados como exemplos.

Estavam presentes, além de Gamble, John Jacobs, da Embaixada dos Estados Unidos, o adido judicial Michael Dreher, os assessores sênior Ricardo Pita e John Johnson, a conselheira política Holly Kirking Loomis e o adido policial Shawn Sherlock. O ministério diz que o encontro foi feito a pedido dos americanos.

Na tarde da segunda-feira, 5, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) recebeu Pita em seu gabinete no Senado, também para tratar de crime organizado. Ele afirmou ter solicitado o encontro dias atrás com a Embaixada americana para tratar de segurança pública.

Nas redes sociais, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), entretanto, vinha tratando a vinda de Gamble como um passo para a imposição de sanções por parte de Trump contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, considerado algoz pelo bolsonarismo. Mas o assunto não foi discutido, de acordo com o senador.

Questionado sobre o fato de o próprio irmão ter sugerido nas redes sociais que o encontro seria feito para tratar de sanções a Moraes, Flávio negou a intenção. "Não, ele (Eduardo) está tratando disso nos Estados Unidos, mas esta reunião específica foi uma coincidência de verdade. Não vai ter outra (reunião) com a gente", declarou Flávio após a reunião.

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve usar o julgamento da ação penal do "núcleo de desinformação" do plano de golpe para definir parâmetros mais claros de como punir fake news.

A Primeira Turma do STF recebeu nesta terça-feira, 6, por unanimidade, a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra sete aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) acusados de disseminar notícias falsas e ataques ao sistema eleitoral e a instituições e autoridades como parte do plano para mantê-lo no poder.

Uma ala do tribunal considera que essa é uma boa oportunidade para debater como enquadrar a divulgação de notícias falsas e se é possível tipificar as fake news como crime, mesmo sem uma lei específica que regulamente o assunto.

Na sessão desta terça, o ministro Flávio Dino defendeu a necessidade de reconhecer que as fake news são uma "modalidade de violência gravíssima" que tem causado "danos gravíssimos e incontornáveis similares a uma facada ou a um tiro".

Segundo Dino, esse reconhecimento precisa vir "pela via legislativa ou mesmo pela via jurisprudencial".

"Creio que temos esse encontro marcado, nesses autos e em outros, com a aquilatação adequada acerca desse juízo que cabe aos julgadores", defendeu.

"Em algum momento é preciso que haja essa compreensão social de que as fake news imbutem em si mesmas uma violência simbólica que extermina, que mata. Mata moralmente, mata psicologicamente, cria danos mentais, assassina reputações e leva ao terror dos alvos deste tipo de procedimento industrial que é uma das marcas terríveis do nosso tempo, que é a monetização do ódio, a monetização dessa violência simbólica por intermédio da tecnologia", concluiu Dino.

O ministro Alexandre de Moraes é outro que defende uma punição dura para a disseminação em massa de notícias falsas. Essa é uma das maiores bandeiras do ministro. Moraes já comprou briga com as redes sociais ao exigir mais controle sobre o conteúdo que circula nas plataformas.

Nesta terça, na sessão da Primeira Turma, Cármen Lúcia sinalizou que deve seguir a mesma linha dos colegas. "Quando a mentira se põe a serviço dos ódios, as consequências são muito pouco humanas e, principalmente, nunca serão democráticas", criticou a ministra.

A atualização do Marco Civil da Internet para punir a divulgação de notícias falsas está travada na pauta do Congresso. A iniciativa mais promissora foi o PL das Fake News, projeto de lei para regulamentar as redes sociais. A proposta foi retirada de pauta em 2023, após amplo lobby e pressão de grandes empresas de tecnologia, como Google e Telegram.

A Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira, 6, o requerimento de urgência para o projeto de lei que permite o aumento do número de vagas para deputados federais. No parecer do relator, deputado Damião Feliciano (União-PB), divulgado durante a tarde, haveria um acréscimo de 18 cadeiras. 268 deputados votaram a favor da urgência. Outros 199 parlamentares votaram contra a tramitação acelerada do texto.

O projeto altera a Lei Complementar nº 78 de 1993, que disciplina a fixação do número de deputados. A proposta do relator é estabelecer o número de 531 deputados a partir de 2026. Atualmente, a Câmara tem 513 deputados. O projeto prevê acréscimos para os seguintes Estados:

- Santa Catarina - Mais quatro cadeiras;

- Pará - Mais quatro cadeiras;

- Amazonas - Mais duas cadeiras;

- Rio Grande do Norte - Mais duas cadeiras;

- Mato Grosso - Mais duas cadeiras;

- Goiás - Mais uma cadeira;

- Ceará - Mais uma cadeira;

- Minas Gerais - Mais uma cadeira;

- Paraná - Mais uma cadeira;

Segundo o parecer, a distribuição das vagas terá como base os dados oficiais do censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com submissão dos dados ao Tribunal de Contas da União (TCU).

No documento, o relator sustenta que, segundo informações da Direção-Geral da Câmara, a criação das 18 vagas geraria um impacto anual de aproximadamente R$ 64,6 milhões. "Considerando a margem orçamentária estimada para o exercício de 2025, a Direção da Casa conclui que, mesmo hoje, o orçamento da Câmara dos Deputados já comportaria as despesas decorrentes da aprovação do projeto", alega o deputado.

No parecer, Damião Feliciano (União-PB) não detalha quais aspectos foram levados em consideração para o cálculo de que cada novo deputado geraria um custo anual de aproximadamente R$ 3,6 milhões.

A medida responde a uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) para que o Congresso Nacional revise a distribuição do número de deputados, de acordo com a atual população de cada Estado.

A discussão partiu de uma ação do governo do Pará que argumenta que a distribuição dos 513 deputados federais foi estabelecida em 1993 e que, desde 2010, tem direito a mais quatro parlamentares. O STF, então, estabeleceu um prazo de até 30 de junho deste ano para que o Congresso dê uma solução à questão.

Caso a determinação não seja cumprida, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) poderá fixar o novo número de deputados federais e estaduais de cada Estado, além dos deputados do Distrito Federal, para a legislatura que se iniciará em 2027.

No caso, serão observados o piso e o teto constitucional por circunscrição, os dados demográficos coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Censo de 2022 e a metodologia utilizada em resolução do TSE sobre o tema.