STF torna réus 7 acusados por 'núcleo de desinformação' de trama golpista

Política
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A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou nesta terça-feira, 6, a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra os sete acusados de integrar o "núcleo de desinformação" do plano de golpe para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder após a eleição de 2022. A votação foi unânime.

Com a decisão, o grupo - integrado por militares e ex-servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) - vai responder a processo penal por cinco crimes - organização criminosa armada, golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do estado democrático, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado contra o patrimônio da União.

Os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin votaram para tornar réus todos os sete denunciados que, segundo a PGR, foram responsáveis por "operações estratégicas de desinformação" e ataques ao sistema eleitoral e a instituições e autoridades.

A denúncia afirma que o grupo contribuiu para o "plano maior da organização e da eficácia de suas ações para a promoção de instabilidade social e consumação da ruptura institucional". A Primeira Turma já recebeu as denúncias contra o "núcleo crucial" - que inclui Bolsonaro - e o "núcleo de gerência" da trama de golpe. Dos 34 denunciados pela Procuradoria no inquérito do golpe, 21 já se tornaram réus.

Atuação

De acordo com a acusação formal da PGR, o "núcleo de desinformação" (núcleo 4) reúne denunciados que atuaram de diferentes formas para disseminar fake news que mantivessem bolsonaristas mobilizados contra o resultado da eleição presidencial. A denúncia menciona o uso da estrutura da Abin como central de contrainteligência para gerar notícias falsas, promover ataques a instituições e monitorar autoridades.

Os denunciados também foram acusados por ataques aos então comandantes do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes; e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, que rejeitaram o golpe. Ainda conforme a PGR, o grupo tentou manipular o relatório do Ministério da Defesa que atestou a integridade das urnas e descartou fraudes no pleito.

Esse núcleo foi responsável também, segundo a denúncia, por produzir material falso sobre as urnas para divulgação pelo influenciador argentino Fernando Cerimedo e subsidiar ação do PL no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O partido pediu a anulação das eleições de 2022 por mau funcionamento de parte das urnas.

As defesas buscaram ontem descolar os denunciados dos líderes do plano de golpe. Os advogados dos sete acusados alegaram que seus clientes não tinham poder decisório nem influência suficiente para contribuir para o 8 de Janeiro (mais informações nesta página).

A subprocuradora da República Cláudia Sampaio Marques, que falou em nome da PGR, por sua vez, defendeu o recebimento integral da denúncia. Ela argumentou que todos os denunciados "agiram e concorreram para que houvesse um golpe de Estado".

'Conformidade'

Relator, Moraes rebateu as defesas e destacou que as fake news disseminadas pelo "núcleo de desinformação" coincidem com declarações públicas de Bolsonaro, o que, para ele, demonstra atuação coordenada. "Não se trata da acusação de que 'ah, uma pessoa simplesmente repassou uma notícia'. O que a denúncia traz é o núcleo atuando em conformidade estratégica com outros núcleos, cada um dentro das suas tarefas nessa organização criminosa."

Moraes também fez referência ao relatório da Polícia Federal no inquérito das milícias digitais, que apontou "atuação orquestrada" de bolsonaristas. Segundo o relator, o grupo se valeu do mesmo "modus operandi das milícias digitais" para jogar parcela da população contra o Judiciário e o sistema eleitoral. "Não se pode relativizar a força, que pode ser maléfica, das redes sociais."

Zanin, presidente da Primeira Turma, afirmou que "ficou clara a presença de documentos, áudios, relatórios policiais, gravações, uso de ferramentas invasivas e produção de um grande volume de conteúdo falso ou fraudulento".

'Lealdade'

Durante a sessão de ontem, Fux fez um aceno a Moraes - os dois vêm divergindo sobre a competência do STF para julgar o caso e em relação à dosimetria das penas do 8 de Janeiro. Fux afirmou que eles são amigos e que as discordâncias não afetam o "respeito" e a "lealdade" que mantém em relação ao colega.

"O que há não é discórdia, o que há aqui é dissenso", declarou Fux. "Esses dissensos em relação à matéria jurídica fazem parte da vida de um colegiado, mas, ainda assim, mantemos entre nós respeito, lealdade e, no caso específico do ministro Alexandre, já nos conhecemos há muito mais tempo e temos amizade."

A Primeira Turma analisou se havia elementos suficientes para receber a denúncia. O julgamento do mérito do processo só ocorrerá após a instrução da ação, etapa em que são ouvidas testemunhas e podem ser produzidas novas provas.

Celulares

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) elogiou ontem a decisão de Zanin de autorizar advogados a participarem da sessão com seus celulares. No julgamento do núcleo 2 da trama golpista, em abril, advogados tiveram de entregar os aparelhos, que foram lacrados pelo tribunal. Em nota, o presidente da OAB, Beto Simonetti, afirmou que "o diálogo prevaleceu".

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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O presidente dos EUA, Donald Trump, nomeou a Dra. Casey Means - uma influenciadora do bem-estar com laços estreitos com o secretário de Saúde e Serviços Humanos, Robert F. Kennedy, Jr. - como sua indicada para cirurgiã-geral, cargo que é responsável pela comunicação de questões de saúde pública no governo federal americano.

Trump disse em uma publicação no Truth Social hoje que Means trabalhará para "erradicar doenças crônicas e melhorar a saúde e o bem-estar dos americanos".

"A Dra. Casey Means tem o potencial de ser uma das melhores cirurgiãs gerais da história dos Estados Unidos", acrescentou ele.

A Procuradoria Geral da República (PGR) defendeu a revogação da prisão do empresário turco Mustafa Goktepe, que é naturalizado brasileiro. Ele está detido desde a semana passada e enfrenta pedido de extradição por seu envolvimento com o grupo Hizmet, perseguido pelo governo Recep Tayyp Erdogan na Turquia.

Em parecer enviado nesta quarta-feira, 7, ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flavio Dino, relator do caso, a PGR se manifestou pela revogação da prisão preventiva, que havia sido autorizada por Dino após o pedido de extradição.

Em nota enviada ao Estadão, o advogado Beto Vasconcelos disse que a defesa esclareceu as distorções no pedido de extradição por parte do governo turco, reafirmando a confiança no julgamento do Supremo. "Aguardaremos a análise e a decisão sobre o pedido de revogação da prisão", disse.

Enquanto isso, Mustafa Goktepe segue detido na Superintendência da Polícia Federal em São Paulo.

O empresário reside no Brasil desde 2004 e é naturalizado brasileiro desde 2012. Ele é dono de uma rede de restaurantes turcos e professor visitante da Universidade de São Paulo (USP).

A Turquia pediu a extradição por suposto pertencimento a organização terrorista armada - alegações que se baseiam na ligação do empresário com o Hizmet. A defesa sustenta que as acusações têm natureza política, disfarçadas de crimes de terrorismo.

O grupo de oposição ao governo Recep Tayyp Erdogan é enquadrado por Ancara como uma organização terrorista, mas não é percebido como uma ameaça fora do país (entenda abaixo).

No parecer, a PGR cita que a defesa anexou cartas de referência que atestam o bom caráter e integração de Goktepe à comunidade, assinadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos, Rosita Milesi, entre outros.

A defesa também destacou no processo o compromisso do movimento Hizmet com a educação, o diálogo inter-religioso e os valores democráticos. E argumentou que o seu crescimento na Turquia passou a incomodar o governo Erdogan, o que levou à perseguição do grupo.

Outro argumento apresentado pelos advogados do empresário foi o risco de Goktepe ser julgado por um tribunal de exceção da Turquia, onde há denúncias de arbitrariedades do Judiciário e repressão a opositores.

Na sua manifestação, a Procuradoria Geral destacou que o empresário é naturalizado brasileiro e que os supostos crimes teriam ocorrido após a naturalização.

A Constituição brasileira impede extradições nessas circunstâncias - a não ser em casos de comprovado vínculo com o narcotráfico.

A PGR destacou ainda o entendimento do STF de que, mesmo nos casos em que a extradição é cabível, a prisão preventiva pode ser revogada se não houver risco de fuga ou tentativa de obstrução do processo.

"Deve-se reconhecer que o extraditando reside no país há mais de vinte anos, tendo constituído família e estabelecido vínculos sólidos com a comunidade, inclusive com pessoas de notório reconhecimento público", afirma a manifestação.

Movimento alvo de perseguição

O Hizmet foi criado pelo clérigo Fethullah Gülen, que morreu no ano passado no Estado americano da Pensilvânia, onde havia se exilado por vontade própria. Gülen defendia uma visão mais moderada e inclusiva do islamismo, com seguidores por todo o mundo.

Ele foi aliado de Recep Tayyp Erdogan até 2013, quando o então primeiro-ministro da Turquia, envolto em um escândalo de corrupção se voltou contra o Hizmet. Já em 2016, Erdogan acusou o grupo de tramar a tentativa de golpe contra o seu governo e passou a enquadrar o movimento de Gülen como terrorista. O clérigo negou as acusações.

Nos anos seguintes, os seguidores no movimento no Brasil passaram a denunciar o aumento da perseguição aos refugiados no País. Em 2019, Ali Sipahi, sócio de Goktepe, foi detido, alvo de pedido de extradição posteriormente negado pelo STF. O mesmo aconteceu com o empresário Yakup Sagar em 2022.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou em Moscou nesta quarta-feira, 8, como um dos poucos chefes de Estado do mundo com presença confirmada na celebração do Dia da Vitória, que marca a vitória da União Soviética sobre a Alemanha nazista na 2.ª Guerra. A visita tem um peso simbólico nas relações diplomáticas do Brasil com a Rússia e, de acordo com analistas, sinaliza a aproximação de Lula com o presidente russo Vladimir Putin.

Historicamente, Putin utiliza o Dia da Vitória para impulsionar o nacionalismo russo e projetar uma imagem de força para o mundo. Diversos chefes de Estado já participaram da celebração no passado - a exemplo do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em 2018 -, mas desde o início da Guerra na Ucrânia, em 2022, a participação se tornou menor. Este ano, a Rússia intensificou os esforços para celebrar o 80.º aniversário do fim da guerra.

Segundo o professor de relações internacionais da ESPM, Gunther Rudzit, a presença de chefes de Estado nas celebrações é utilizada por Putin como demonstração de apoio internacional. Isso se tornou ainda mais forte após a guerra na Ucrânia, quando as relações da Rússia com a União Europeia, os Estados Unidos e aliados ocidentais se deterioraram.

O principal chefe de Estado presente este ano será o líder da China, Xi Jinping, que aumentou o laço com a Rússia após o início da guerra, sobretudo como parceiro comercial. Depois da China, o Brasil é o país com a economia mais forte a confirmar presença.

Outros convidados são os líderes das antigas repúblicas soviéticas da Armênia, Azerbaijão, Belarus, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão. Outros são os líderes da Bósnia, Burkina Faso, Congo, Cuba, Egito, Guiné Equatorial, Etiópia, Guiné-Bissau, Laos, Mongólia, Mianmar, Palestina, Sérvia, Eslováquia, Venezuela, Vietnã e Zimbábue.

Robert Fico, o líder da Eslováquia, o único país da União Europeia a ser convidado, ainda não confirmou se estará presente. Aleksandar Vucic, o presidente da Sérvia, que busca entrar na UE, planejava ir, mas adoeceu durante uma viagem aos Estados Unidos e cancelou a viagem.

No caso de Vucic, Bruxelas chegou a alertar que a visita violaria os critérios de adesão à UE e prejudicaria o país no processo de adesão.

A expectativa da presença de chefes de Estado levou o principal conselheiro de política externa do Kremlin, Yuri Ushakov, a declarar que o evento terá "grande escala". "Apesar da atitude hostil em relação à Rússia por parte de vários países ocidentais, estamos fazendo com muito sucesso um evento de grande escala", disse à imprensa estatal russa.

De acordo com Gunther Rudzit, o Brasil, ao confirmar presença, auxilia a Rússia a construir essa imagem. "Se trata de uma chance para a Rússia demonstrar que não está isolada na diplomacia. A ida do Brasil para o evento este ano ajuda a reforçar essa ideia", afirmou o professor da ESPM. Em contrapartida, os ganhos para o Brasil são incertos.

Impacto para o Brasil

Para Rudzit, o Brasil não tem a ganhar com a ida de Lula a Rússia. Ao contrário, tem a perder: ao demonstrar proximidade com Putin, o brasileiro envia um recado negativo à União Europeia, que pode afetar o acordo comercial do bloco com o Mercosul. "É um acordo que se arrasta há muito tempo e que enfrenta oposição na Europa, principalmente da França. Uma imagem de Lula atrelada a Putin coloca isso sob risco", declarou.

De acordo com o analista, esse risco é presente mesmo no momento em que a UE busca ampliar laços comerciais ante uma guerra comercial entre China e EUA, que desestabiliza as relações. "Putin é uma ameaça existencial para a Europa como conhecemos hoje. Se eles tiverem que preterir questões comerciais por existenciais, eles vão fazer", disse Rudzit.

O professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Pedro Brites, discorda da ideia. Segundo ele, o acordo entre os blocos está avançado e a Europa deve priorizar os laços comerciais. "A visita pode gerar algum desgaste de imagem, mas não acredito que vá além disso neste momento em que a União Europeia busca diversificar laços", declarou.

Brites acrescenta que a visita de Lula acontece no momento em que os Estados Unidos, que até então foram os principais parceiros da Ucrânia no conflito, retomaram os diálogos com a Rússia, sob a presidência de Donald Trump. "O Brasil se sentiu mais confiante de ter uma postura mais assertiva [de aproximação com Moscou]", declarou.

Em contrapartida, afirma Pedro Brites, o País pode aprofundar os laços comerciais com Moscou e exercer protagonismo no Brics, bloco que preside este ano e que conta com a Rússia. "O Brasil tem chance de protagonismo no Brics mais do que em qualquer outro bloco que faça parte. Por isso, há uma aposta no bloco e fortalecer as relações com outros países do Brics é estratégico para o País se mostrar forte na diplomacia", acrescentou.

Os dois analistas concordam, no entanto, que a visita de Lula tem chances nulas de influenciar os rumos da guerra - um desejo enfatizado pelo presidente desde que voltou ao Planalto. Rudzit elenca duas razões para isso: o País não é visto por uma das partes do conflito, a Ucrânia, como imparcial; e não tem condições de exercer pressões econômicas ou políticas. Brites acrescenta que os interesses opostos de Rússia e Ucrânia dificultam qualquer mediação.

Para Rudzit, a visita acaba ainda por prejudicar a imagem da diplomacia do Brasil como um país atrelado à neutralidade. "Uma visita do Lula à Rússia durante uma guerra chancela todas as ações de Vladimir Putin na Ucrânia, desde a anexação da Crimeia em 2014 até hoje", afirmou.