Governo Lula hesita em falar de Nobel a María Corina; Amorim diz que prêmio virou 'político'

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O governo Luiz Inácio Lula da Silva hesitou em se pronunciar oficialmente nesta sexta-feira, dia 10, sobre o Prêmio Nobel da Paz concedido à líder da oposição na Venezuela María Corina Machado, que vive na clandestinidade sob ameaças do ditador Nicolás Maduro, antigo aliado político do presidente brasileiro.

Embora tenha participado de cerimônia pública, o presidente não abordou o assunto. Ao longo do dia, a Presidência da República e o Itamaraty evitaram confirmar se publicariam ou não qualquer comentário.

Em anos anteriores, o governo brasileiro não manteve uma prática padrão sobre os agraciados com o Nobel da Paz. Mas ao menos quatro vezes manifestou-se sobre os premiados, com notas à imprensa divulgadas pelo Ministério das Relações Exteriores.

2024 - Prêmio Nobel da Paz à organização japonesa Nihon Hidankyo

2017 - Prêmio Nobel da Paz à organização não governamental ICAN

2016 - Prêmio Nobel da Paz ao Presidente da Colômbia Juan Manuel Santos

2015 - Prêmio Nobel da Paz ao Quarteto do Diálogo Nacional Tunisiano

Ao Estadão, o embaixador Celso Amorim, assessor especial da Presidência da República, afirmou que o prêmio adotou um viés político e que o preocupante é qual será a consequência prática da láurea. Há receio de que o Nobel possa estimular uma invasão à Venezuela. Ele entende que a visão da premiação ainda é muito "europeia" e "distante" da realidade venezuelana in loco.

"Não questiono o prêmio Nobel em relação às qualidades pessoais e morais dela. Para o Brasil, interessa o impacto que isso possa eventualmente ter na questão da pacificação e da reconciliação na Venezuela", afirmou Amorim. "Tem gente especulando o mais negativo, que isso aí é preparação para um ataque. Será péssimo se for isso. Admito um lado otimista, que isso a inspire a procurar vias pacíficas realmente, de conciliação e diálogo. Só o tempo dirá se o impacto foi positivo ou negativo. É uma coisa totalmente política, indiscutivelmente."

No Planalto, há mais de uma voz contrária a eventual pronunciamento do governo brasileiro sobre o Nobel a Corina. Uma delas é a do ex-chanceler Celso Amorim.

Amorim também disse que concorda com o teor de uma reação de um integrante do governo Trump: "Eu acho que ele tinha razão. Foi dada prioridade à questão política".

Amorim se referia a Steven Cheung, diretor de Comunicação da Casa Branca e assistente do presidente. Ele foi um dos integrantes do governo Trump, que buscava a premiação, a manifestar discordância nas redes sociais.

"O presidente Trump continuará fazendo acordos de paz, acabando com guerras e salvando vidas. Ele tem o coração de um humanitário, e nunca haverá ninguém como ele, capaz de mover montanhas com a força de sua vontade. O Comitê Nobel provou que eles colocam a política acima da paz", escreveu Steven Cheung no X.

"O Prêmio Nobel morreu há anos", afirmou o enviado especial a Missões Especiais, Richard Grenell, que conduziu em nome de Trump negociações no Brasil e na Venezuela.

O Estadão também ouviu quatro integrantes do governo Lula, que falaram sob condição de anonimato. Amorim e outros diplomatas têm reservas quanto à atuação política de Corina Machado e são céticos sobre as chances de uma manifestação oficial do governo.

No Itamaraty, um diplomata ressaltou que o gesto em favor de María Corina poderia incomodar o governo de Maduro e trazer mais ruídos num momento de crise com o ex-aliado do petista, a quem ele ajudou a reabilitar desde 2023.

Lula e o ditador chavista não se falaram mais desde a troca de farpas disparada pela recusa do petista em reconhecer a alegada reeleição de Maduro. Lula cobrou em vão provas da suposta vitória do ditador em julho de 2024 - nunca entregues - diante dos indícios de fraude.

O petista não quis, porém, romper por completo. Os governos mantêm canais de interlocução diplomática, com reuniões entre chanceleres recorrentes.

Um embaixador disse que a escolha para o Nobel não agradou a nenhum dos lados e irritou a Casa Branca.

Outro afirmou que Corina "tem sido entusiasta das recentes ações norte-americanas no Caribe e ecoado certa retórica em favor de intervenção para derrubada de regime, o que não consideramos que contribui para a estabilidade da região e para a efetiva superação dos problemas venezuelanos, que necessitam de mais diálogo e não intransigência de posições".

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A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou favorável ao arquivamento da ação penal apresentada pelo deputado federal Rui Falcão (PT-SP) contra o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

A representação foi motivada por uma declaração de Tarcísio contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Na ocasião, o governador afirmou que "ninguém aguenta mais a tirania de um ministro como o [Alexandre de] Moraes".

Para Rui Falcão, a fala foi interpretada como um "ato antidemocrático inserido em contexto de golpe continuado".

No entanto, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou que o pedido não apresenta elementos informativos mínimos que indiquem a existência de um crime, o que não justifica a abertura de investigação. Por isso, ele solicitou o arquivamento do caso.

O procurador também destacou que a eventual articulação política em defesa de anistia não configura crime, e que a concessão de anistia é responsabilidade do Congresso Nacional, devendo ser feita por meio de lei ordinária com sanção presidencial.

"Articulação política não constitui ilícito penal, tampouco extrapola os limites da liberdade de expressão", afirmou Gonet.

A representação foi apresentada no âmbito da Ação Penal 2668, que tramita no STF. Um dos argumentos era de que Tarcísio teria atuado junto a parlamentares pela tramitação de um projeto de anistia destinado a beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros envolvidos na tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito.

A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira, 15, a sustação da ação penal em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) pelos crimes de injúria, difamação e calúnia.

O placar ficou em 268 votos a favor da sustação, 167 contra e 4 abstenções. Os favoráveis foram 11 a mais do que o quórum mínimo de 257 votos.

O senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) apresentou queixa-crime contra Gayer pelos crimes de calúnia, difamação e injúria após vídeo publicado pelo deputado federal nas redes sociais em fevereiro de 2023.

Gayer chamou Vanderlan e o senador Jorge Kajuru (PSB-GO) de "dois vagabundos que viraram as costas para o povo em troca de comissão", ao comentar a reeleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) à presidência do Senado.

Na mesma publicação, Gayer também fez ataques ao STF, disse que Pacheco se comportava como um "chihuahua adestrado" e "continuará a arregaçar o c* dessa casa para que o STF continue a penetrar com a p* ditatorial".

"Não estou nem aí para as palavras de baixo calão, mas eu estou puto mesmo, que era a maior oportunidade que a gente tinha de salvar o nosso País e os senadores nos traíram", disse Gayer no vídeo.

As palavras de baixo calão foram repetidas por Lindbergh Farias (RJ), líder do PT na Câmara, para persuadir parlamentares a votarem contra. "Isso é passar dos limites completamente. Os senhores querem jogar a imagem desta Casa no ralo do esgoto", disse o petista. "Essa votação é uma vergonha. Como é uma vergonha Eduardo Bolsonaro não ter sido casado por esta Câmara."

No entendimento da Primeira Turma do STF, Gayer "extrapolou da sua imunidade parlamentar para proferir declarações em descompasso com os princípios consagrados na Constituição Federal".

O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) pediu que os parlamentares "não votassem por vingança" e que atuem em defesa das prerrogativas parlamentares. "Não podemos aqui ignorar e deixar de lado as questões políticas e meramente dizer, por uma vingança, 'eu não gosto do deputado Gustavo Gayer, porque eu achei as palavras dele chulas'. Quaisquer motivos que sejam não serão justificativas plausíveis e nem suficientes para poder cassá-lo hoje", disse.

O PL pediu a sustação da ação penal por entender que deputados possuem imunidades para "a garantia do livre desempenho do mandato". "Assim, em atenção à garantia do livre exercício do mandato para o qual foi eleito, requer-se, desde já, a aplicação da imunidade processual ao parlamentar", afirmou o partido.

A decisão da Câmara trava o processo no STF e a Corte fica impedida de dar continuidade ao caso. Governistas criticaram a decisão da Casa.

O relator do caso, deputado Zé Haroldo Cathedral (PSD-GO), acompanhou o pedido do PL e apresentou texto para barrar o andamento da ação penal contra Gayer.

No documento, Cathedral disse que as declarações de Gayer foram "inadequadas', mas são protegidas pela inviolabilidade de palavras garantidas aos parlamentares.

"As críticas formuladas pelo deputado federal Gustavo Gayer ao senador Vanderlan Cardoso foram exprimidas em linguagem inadequada, grosseira e deselegante, porém protegidas pela inviolabilidade. Caso se compreenda que a conduta é censurável, o remédio prescrito pelo texto constitucional seria a responsabilização ético-disciplinar", afirmou Cathedral.

"Deputado Gustavo Gayer deveria ir ao Conselho de Ética, e não ao STF", disse Cathedral ao ler o relatório na Comissão de Constituição e Justiça aprovado na semana, para aplausos de deputados do PL. "Não houve representação apresentada contra Gayer em razão desse episódio."

É a segunda vez que o PL pede para sustar a tramitação de uma ação penal. O primeiro caso envolveu o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que faz parte do primeiro núcleo acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de ter participado de plano de tentativa de golpe de Estado.

Nesse caso, o plenário da Câmara decidiu por sustar a ação penal com 315 votos a favor e 143 contra após a CCJ tomar a mesma decisão. Na semana seguinte, a Primeira Turma do STF votou de forma unânime para limitar a decisão da Câmara.

No caso, a leitura dos ministros do Supremo foi de que o Poder Legislativo não tem atribuição para decidir sobre ações penais em curso na Corte, e que poderiam ser anuladas apenas as acusações contra Ramagem sobre atos após a sua diplomação.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso teve um mal estar nesta quarta-feira, 15, e foi levado para o Hospital Sírio Libanês, em Brasília. Ele estava na Corte quando houve uma queda de pressão.

A suspeita inicial era de uma virose. O ministro está sendo submetido a exames. Ainda não há informações sobre o diagnóstico. Ele ficará internado ao menos até amanhã.

Barroso comunicou em plenário na quinta-feira, 9, a decisão de antecipar a aposentadoria. A medida foi publicada nesta quarta-feira, 15, no Diário Oficial da União, com data de validade a partir de sábado, 18.

A saída precoce de Barroso do tribunal abre a terceira vaga no atual mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Com a aposentadoria publicada, a expectativa é que seja nomeado um novo ministro ainda nesta semana.