Quentin Tarantino fala sobre seu livro e o final da carreira

Geral
Tipografia
  • Pequenina Pequena Media Grande Gigante
  • Padrão Helvetica Segoe Georgia Times

A consagração do filme Era Uma Vez Em... Hollywood (2019), vencedor dos Oscars de melhor ator coadjuvante (Brad Pitt) e melhor design de produção, incentivou seu diretor, o cineasta Quentin Tarantino, a realizar um sonho antigo: novelizar o próprio roteiro, ou seja, escrever um romance a partir da trama do filme. Fã desse tipo de literatura, ele trabalhou durante seis meses até finalizar Era Uma Vez Em Hollywood (agora, sem os três pontos), que a Intrínseca acaba de lançar.

Engana-se, porém, quem espera por uma simples transposição do roteiro para o texto escrito - Tarantino promoveu um "repensar completo" da trama, tornando-a mais melancólica e até um pouco mais oblíqua em seus significados. Ou seja, o cineasta expandiu o mundo do filme ao mesmo tempo que aproveitou para fazer comentários sobre ele. "Foi um repensar completo de toda a trama e não apenas o de buscar cenas que ficaram de fora, na edição", disse ele ao Estadão, em entrevista realizada por telefone nesta quinta, 8.

O que não falta, é verdade, é a grande profusão de citações de artistas de cinema e programas de TV que marcaram o final dos anos 1960, época em que é ambientada a história. E, no livro, Tarantino aproveita para explorar mais profundamente alguns personagens, além de alternar o foco da narrativa.

Assim, se no filme a expectativa é a chegada do fatídico dia 9 de agosto de 1969, quando a seita de jovens maníacos comandados por Charles Manson assassinou brutalmente a atriz Sharon Tate, no livro, o crime é mais um fato, pois o foco agora está no cowboy da TV Rick Dalton (representado, no cinema, por Leonardo DiCaprio) e seu melhor amigo e dublê, Cliff Cabine (Brad Pitt), ambos vivendo um momento de encruzilhada em suas carreiras, com os produtores preterindo-os por jovens galãs.

Como no filme, Rick e Cliff pulam de set em set, na busca por um papel decente, mas o leitor é brindado com mais detalhes sobre o nebuloso passado de Cliff - muito do que é apenas sugerido no longa ganha explicações na escrita, como as suspeitas de assassinato.

Antes, um aviso: a partir desse trecho, os spoilers serão constantes. Assim, descobre-se que Cliff não apenas matou dois mafiosos que o provocavam durante um almoço como também deu cabo da própria mulher, com um tiro de espingarda que, acredite, quase a dividiu em dois. Arrependido, Cliff a manteve viva durante sete horas, detalhe nada surpreendente na cartilha de violência explícita de Tarantino - mas ela não resistiu e morreu antes da chegada da Guarda Costeira.

O livro também traz mais detalhes de uma importante cena do filme, quando Cliff é desafiado por Bruce Lee, que se sente ofendido quando o dublê zomba dele por acreditar que era capaz de vencer Muhammad Ali em uma luta. Eles partem para briga e Cliff derrota o artista marcial, jogando-o contra um carro.

A leitura torna mais evidente a mentalidade movida a violência de Cliff e também sua esperteza, ao traçar uma estratégia para enganar o rival. A cena revivida no livro, aliás, despertou novas acusações, nesta semana, da filha de Lee, Shannon, que mais uma vez revelou seu descontentamento com a forma desrespeitosa como seu pai foi retratado no filme.

Já a figura do maníaco Charles Manson é mais detalhada na obra escrita, que revela sua tentativa de se tornar músico (uma de suas composições, aliás, chegou a integrar um disco dos Beach Boys) e de sua ação como cafetão.

Na inversão que promove na história escrita, Tarantino oferece um grande momento para Rick e Trudi Frazer, a precoce atriz de 8 anos que surpreende com uma bem embasada concepção do ato de representar. O livro se encerra com uma conversa telefônica entre eles: Trudi quer passar os diálogos que vão trocar na filmagem do dia seguinte, o que inicialmente não agrada a Rick. Mas o ensaio logo se torna um momento sublime, tornando o desiludido Rick em um homem um pouco mais esperançoso. A cena chegou a ser filmada, mas cortada na edição final, como Tarantino conta na seguinte entrevista.

O último capítulo do livro é muito tocante e até surpreendente, em relação ao filme.

É meu capítulo preferido e chegamos a rodar a cena. Foi emocionante, todos ficaram muito tocados. Brad ficou com os olhos marejados. Mas tive de cortá-la na edição, pois notei que criava uma falsa expectativa de que o filme estava acabando. Por isso decidi colocar como encerramento do livro.

Aliás, sobre sua nova carreira como romancista - quando você decidiu colocar suas ideias em um texto?

Era algo que senti que seria natural. Há anos que escrevo roteiros, o que me deu um aprendizado. Mas, quando terminei este, percebi que havia mais o que contar sobre Rick e Cliff, dois personagens fascinantes. E, como cresci lendo novelizações de filmes, algo que era comum nos anos 1970, sabia que aquele era o melhor caminho para apresentar essa dupla de forma mais expansiva e até com mais profundidade.

Você precisou fazer muita pesquisa para escrever o livro?

Até que não, pois embora eu tenha pretendido criar um novo produto, que estivesse um tanto afastado do filme, o ambiente é o mesmo, ou seja, a Hollywood do final dos anos 1960. E conheço muito bem os longas produzidos naquela época, os filmes B, as séries de TV. Percorri muito aquelas ruas de Los Angeles, assim, foi até mais fácil do que possa parecer.

Stephen King disse, em uma entrevista, que usou o método Tarantino para alcançar a tensão necessária em um diálogo que escreveu para a série Lisey's Story. Como você cria diálogos?

Acho que esse é realmente o meu melhor dom, escrever diálogos. É algo que me vem muito fácil quando estou criando uma cena - basta saber um pouco da personalidade de cada um dos personagens que as falas surgem naturalmente.

Há quem diga que, quando Cliff fala mal de filmes estrangeiros, estamos escutando na verdade a voz de Tarantino. É verdade?

Olha (rindo), todo mundo me diz isso, e, claro, há opiniões dele que batem com as minhas (risos), mas tenho de dizer que ali é o pensamento de Riff, um homem que acompanhou o cinema americano produzido durante a 2ª Guerra Mundial, portanto escapista, em contraste com o cinema europeu do pós-guerra, com muitas cicatrizes. Isso o tornou um grande conhecedor cinematográfico e, portanto, um crítico criterioso, especialmente em relação a Hollywood.

Falando de Hollywood, o que você acha da disputa entre cinema e streaming?

Não sou fã de streaming, pois é um serviço que não consegue reproduzir a emoção de se assistir a um filme em uma tela grande. Mas sei que é uma forma de divertimento que veio para ficar.

Que recordações você guarda da sua passagem por São Paulo, em 1992, durante a Mostra de Cinema?

Olha, fui a diversos festivais em minha vida, mas aquele me marcou profundamente. Pude ver muitos filmes que me marcaram, fui a restaurantes que me encantaram, conheci pessoas muito interessantes. São Paulo realmente marcou minha vida.

E, por falar em vida, você realmente se despede do cinema depois de seu próximo filme, como prometeu?

É um assunto do qual todos gostam de falar (risos). Veja bem, a maioria dos cineastas dirige seus piores filmes no final da carreira. Encerrar uma trajetória com um filme decente é raro. É o que penso.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Em outra categoria

A cantora Nana Caymmi, que morreu na noite desta quinta-feira, 1º, aos 84 anos, fez aniversário no último dia 29 de abril. Internada desde julho de 2024, Nana recebeu uma mensagem da também cantora Maria Bethânia, de quem era amiga.

Bethânia escreveu: "Nana, quero que receba um abraço muito demorado, cheio de tanto carinho e admiração que tenho por você. Querida, precisamos de você e da sua voz. Queremos você perto e cheia de suas alegrias, dons e águas do mar na sua voz mais linda que há. Amor para você, hoje, seu aniversário, e sempre. Rezo à Nossa Senhora para você vencer esse tempo tão duro e difícil. Peço por sua voz e por sua saúde. Te amo. Sua irmã, Maria Bethânia".

Nana e Bethânia tinham uma longa relação de amizade e gravaram juntas no álbum Brasileirinho, de Bethânia, lançado em 2003. Bethânia afirmou mais de uma vez que Nana era a maior cantora do Brasil.

De acordo com informações divulgadas pela Casa de Saúde São José, onde Nana estava internada há nove meses para tratar de problemas cardíacos, a cantora morreu às 19h10 desta quinta-feira, em decorrência da disfunção de múltiplos órgãos.

Morreu nesta quinta-feira, 1° de maio, Nana Caymmi, aos 84 anos, em decorrência de problemas cardíacos. A morte foi confirmada pelo irmão da artista, o também músico e compositor Danilo Caymmi. Ela estava internada havia nove meses em uma clínica no Rio de Janeiro.

"Eu comunico o falecimento da minha irmã, Nana Caymmi. Estamos, lógico, na família, todos muito chocados e tristes, mas ela também passou nove meses sofrendo em um hospital", disse Danilo Caymmi.

"O Brasil perde uma grande cantora, uma das maiores intérpretes que o Brasil já viu, de sentimento, de tudo. Nós estamos, realmente, todos muito tristes, mas ela terminou nove meses de sofrimento intenso dentro de uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do hospital", acrescentou o irmão, em um vídeo publicado no Instagram.

Nas redes, amigos e admiradores também prestaram homenagens à cantora.

"Uma perda imensa para a música do Brasil", escreveu o músico João Bosco, com quem Nana dividiu palcos e microfones. Bosco também teve canções interpretadas por Nana Caymmi, como Quando o Amor Acontece.

O cantor Djavan disse que o País perde uma de suas maiores cantoras e ele, particularmente, uma amiga. "Descanse em paz, Nana querida. Vamos sentir muito sua falta, sua voz continuará a tocar nossos corações."

Alcione também diz que perdeu uma amiga e que a intérprete, filha de Dorival Caymmi, tinha "a voz". "Quem poderá esquecer de Nana Caymmi?"

"Longe, longe ouço essa voz que o tempo não vai levar! Nana das maiores, das maiores das maiores", postou a cantora Monica Salmaso, que já tinha prestado uma homenagem para Nana na última terça, quando a artista completou 84 anos. "Voz de catedral", descreveu Monica na ocasião.

O escritor, roteirista e dramaturgo Walcyr Carrasco disse que, nesta quinta, a música brasileira deve ficar em silêncio em respeito à partida da artista. "Que sua voz siga ecoando onde houver saudade. Meus sentimentos à família, amigos e admiradores!"

A deputada federal e ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina (PSOL-SP) disse que Nana Caymmi tinha umas das vozes "mais marcantes da música popular brasileira" e que a cantora deixa um "legado extraordinário" para o Brasil por meio de interpretações "únicas e carregadas de emoção". "Que sua arte siga viva, e que ela descanse em paz", disse a parlamentar.

A artista Eliana Pittman diz que se despede com tristeza de Nana Caymmi, a quem descreveu com uma das uma "das maiores vozes" que o Brasil já teve, e elogiou a cantora pela irreverência e forte personalidade.

"Nana nunca se curvou a convenções: cantava o que queria, do jeito que queria - e por isso, marcou gerações", disse Eliana, que também fez elogios qualidade técnica da intérprete. "Sua voz grave, seu timbre inconfundível e sua forma tão particular de existir na música deixam um vazio irreparável".

O Grupo MPB4 postou: "Siga em paz, querida Nana Caymmi! Nosso mais fraterno abraço para os amigos Dori Caymmi, Danilo Caymmi (irmãos de Nana Caymmi) e toda a família".

A cantora Nana Caymmi morreu nesta quinta-feira, aos 84 anos, em decorrência de problemas cardíacos. Ela estava internada há nove meses na Clínica São José, no Rio de Janeiro. A morte da cantora foi confirmada por seu irmão, o músico e compositor Danilo Caymmi, no início da noite.

Além dos problemas cardíacos que abalaram sua saúde em 2024, que obrigaram os médicos implantar um marcapasso para contornar uma arritmia cardíaca, Nana enfrentou um câncer de estômago em 2015.

Filha do compositor baiano Dorival Caymmi e da cantora Stella Maris, Nana nasceu no Rio de Janeiro, com o nome de Dinahir Tostes Caymmi, o mesmo de uma tia, irmã do pai. Incentivada pelos pais, começou a estudar piano clássico ainda criança. Em 1960, entrou no estúdio com Caymmi para fazer sua primeira gravação, Acalanto, a canção de ninar feita para ela pelo pai. No mesmo ano, gravou um compacto simples com as músicas Adeus e Nossos Beijos.

Ao mesmo tempo que dava seus primeiros passos na carreira como cantora, Nana decide deixar o Brasil e se casar com o médico venezuelano Gilberto José Aponte Paoli, com quem teve seus três filhos, Stella, Denise e João Gilberto.

De volta ao País, separada, enfrenta o preconceito de Caymmi, que decide não falar mais com a filha. Nana é então socorrida pelo irmão, Dori, que faz a canção Saveiros para ela cantar no I Festival Internacional da Canção (TV Globo). Foi vaiada ao ser anunciada a vencedora da competição.

Casada agora com Gilberto Gil, apresenta-se no III Festival de Música Popular Brasileira na TV Record, em 1967, com a canção Bom Dia, assinada em parceria com Gil. Grava com o grupo Os Mutantes a canção Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, além de um álbum de carreira.

Em 1973, faz uma exitosa temporada em Buenos Aires, na Argentina, onde lança um disco pela gravadora Trova. No repertório, músicas de compositores que seriam presença constantes em seus discos, como Tom Jobim, João Donato, Chico Buarque, além de Caymmi. Nesse mesmo ano, Caymmi se reaproxima da filha, em um programa de televisão.

Ao longo dos anos 1970 e 1980, grava regularmente. Seus álbuns reuniam não somente um repertório sofisticado, mas também grandes músicos, como João Donato, Helio Delmiro, Toninho Horta, Novelli, além dos irmãos Dori e Danilo. Em 1980, participa da faixa Sentinela, no disco de Milton Nascimento. No início dos anos 1990, grava Bolero, disco inteiramente dedicado ao gênero.

Com o prestígio de uma das principais cantoras do País, Nana, embora tenha alcançado relativo sucesso com músicas como Mãos de Afeto, Beijo Partido, Contrato de Separação e De Volta ao Começo, além de ser voz presente em trilhas sonoras de novelas da TV Globo, não tinha, no entanto, a mesma popularidade de nomes como Maria Bethânia, Gal Costa e Elis Regina.

Sucesso popular

O reconhecimento popular só chegou em 1998, quando o bolero Resposta ao Tempo, de Cristovão Bastos e Aldir Blanc, foi escolhido para ser tema de abertura da minissérie Hilda Furacão, de Glória Perez. A história da moça de uma família tradicional mineira que larga o noivo no altar e se torna uma das mais famosos prostitutas da zona boêmia de Belo Horizonte conquistou a audiência e ampliou o público de Nana.

Anos antes, Nana havia batido na trave. Sua gravação de Vem Morena havia sido escolhida para a abertura da novela Tieta, um dos maiores sucessos da TV Globo. Porém, dias antes da estreia da trama, em agosto de 1989, o então diretor geral da emissora, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, pediu uma música "mais animada". Ele mesmo fez a letra da canção gravada por Luiz Caldas. "Fiquei esperando minha música tocar e aparece o Luiz Caldas dizendo que a lua estava cheia de tesão", reclamou, tempos depois, Nana nos jornais.

Com a carreira em alta, arrisca e coloca em prática um antigo desejo: fazer uma segundo volume de um álbum dedicado apenas a boleros. Sangra de Mi Alma foi lançado em 2000, com clássicos do gênero como Amor de Mi Amores e Solamente Una Vez, essa última escolhida para trilha da novela Laços de Família.

Nos anos 2000, Nana se dedica a regravar as canções de Caymmi em álbuns temáticos. O Mar e o Tempo (2002), Para Caymmi: de Nana, Dori e Danilo (2004), Quem Inventou o Amor (2007) e Caymmi (2013) compreenderam boa parte da obra do compositor.

Seus últimos dois álbuns foram Nana Caymmi Canta Tito Madi, de 2019, sobre a obra do compositor pré-bossanovista, e Nana, Tom, Vinicius, de 2020, com canções de seus dois grandes amigos, Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

Nana, porém, a essa altura, já estava afastada dos palcos. Sua última apresentação foi em 2015, em São Paulo. A cantora havia prometido voltar a cantar ao vivo se o empresário Danilo Santos de Miranda, seu grande amigo, diretor do Sesc São Paulo, se recuperasse de uma internação. Miranda morreu em outubro de 2023. O Selo Sesc, projeto criado por Miranda, guarda um registro inédito do show Resposta ao Tempo, gerado a partir de uma apresentação de Nana no Sesc Pompeia.

A última imagem conhecida de Nana é a que aparece no documentário Dorival Caymmi - Um Homem de Afetos, de Daniela Broitman. Nele, Nana dá um forte depoimento sobre o pai e canta, à capela, o samba canção Não Tem Solução, em um dos melhores momentos do filme.

Em agosto de 2024, o cantor Renato Brás lançou a faixa A Lua e Eu, sucesso de Cassiano, com a participação de Nana nos vocais. A voz de Nana foi capturada em sua casa, no Rio de Janeiro.

Em sua última entrevista ao Estadão, quando completou 80 anos, Nana manifestou o desejo de gravar as parcerias do irmão Dori com Nelson Motta. Também desejava cantar Milton Nascimento - um de seus grandes amigos - e Beto Guedes. "Se eu não gravei, são inéditas para mim", disse, reforçando uma insatisfação constante dos últimos anos, a de que não havia bons novos compositores para lhe fornecerem repertório.

Como uma metáfora da vida, Nana, também nessa entrevista, falou sobre seu sentimento ao gravar uma canção. "Ela acontece, assim como o amor. É como uma nascente, ela corre. Para quem consegue molhar o rosto nessa água límpida, como eu faço quando estou gravando, é um delírio", disse.