Vidas negras de um Brasil oculto

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Nascido na Bahia em 1755, o padre Joaquim de Souza Ribeiro se formou em Direito em Coimbra e conseguiu em audiência com o papa Pio VI a permissão para ser missionário na América espanhola, onde foi possivelmente o único brasileiro a testemunhar a revolução haitiana.

Entre idas e vindas, ele foi preso duas vezes, tentou contato com Napoleão Bonaparte e viajou por diversas partes da Europa e das Américas. Essa vida cinematográfica - quase um Forrest Gump da Era das Revoluções - é apenas uma entre as mais de 500 pessoas retratadas na Enciclopédia Negra, obra monumental organizada pelos historiadores Flávio dos Santos Gomes e Lilia Moritz Schwarcz e pelo artista Jaime Lauriano.

Seguindo a máxima da jornalista Eliane Brum, para quem "é mais difícil encontrar 'um em um milhão' do que encontrar um milhão", a Enciclopédia Negra enfatiza a narrativa do indivíduo para humanizar a história. Em vez de falar sobre as enormes cifras de africanos sequestrados e escravizados no Brasil e em outras rotas afro-atlânticas, o livro opta por lançar luz sobre dramas particulares, muitos dos quais pouco ou nada conhecidos, a fim de mostrar as pessoas comuns cujas vidas foram marcadas pelas engrenagens da História com H maiúsculo.

Em um formato enciclopédico, a obra traz verbetes individuais ou coletivos que narram, em poucas linhas, as vidas de pessoas negras, algumas nascidas no Brasil, outras trazidas para cá, algumas famosas e outras anônimas. Líderes religiosos, escritores, músicos, políticos, esportistas dividem espaço com pessoas comuns sobre as quais pouco se sabe, mas cujas vidas oferecem vislumbres de um Brasil mais diverso do que a história contada nas carteiras escolares costuma sugerir.

"Nossa vontade é mudar a imaginação dos brasileiros. Temos uma historiografia oficial ainda muito europeia, muito colonial, muito masculina", afirma Lilia em entrevista ao Estadão. "Temos episódios conhecidos, mas não temos protagonismo dessa população de origem africana. Sabemos muito pouco que vidas são essas. Por vezes, não sabemos nem as datas de nascimento e morte."

"Este livro só pôde ser escrito a partir de uma historiografia crítica no Brasil que vem desde o final da década de 1980", diz Flávio ao Estadão. Segundo ele, o processo de pesquisa e organização da obra dependeu, em grande medida, da busca em acervos e da literatura já existente por personagens que possam ter sido negligenciados. Um exemplo disso é que os autores se desafiaram a equiparar a quantidade de homens e mulheres retratados. "É como se fosse uma educação da leitura e do olhar: procurar mulheres, localizar mulheres negras, um silêncio dentro do silêncio."

Para Lilia, ao desconstruir a história oficial e refundar o imaginário coletivo do que é a vivência negra em um país como o Brasil, a Enciclopédia Negra teve a intenção de ser um trabalho menos acadêmico e mais convidativo ao público em geral. "A ideia é trazer mais subjetividade e não resumir essa enciclopédia a uma história da escravidão. Mostramos que houve escravizados, rebeldes, sim, mas também alfaiates, fotógrafos, mães que fogem grávidas para que o filho continue livre, histórias de um repentista, um palhaço, personagens afro-atlânticos que vieram da África para o Brasil, depois para o Caribe, Estados Unidos..."

Muitas dessas histórias, como a do padre Joaquim, mencionada no início desta reportagem, dariam ótimo material para a arte. "Cada uma delas pode resultar num romance, numa novela, num livro, numa história em quadrinhos, ou apenas despertar o afeto, porque visam afetar o público no nível do afeto, que o público se sinta tocado por essas histórias", afirma Lilia. No entanto, apesar dessas tramas, é na simplicidade das vidas anônimas que reside um brilho oculto da Enciclopédia. "A gente sempre foi à procura não de personagens espetaculosos, mas fomos atrás de gente comum", garante Flávio.

Nesse grande mosaico, Lilia e Flávio buscaram manter não apenas equilíbrio de gênero, encontrando até raras personagens transexuais nos primeiros séculos do Brasil, mas também uma certa paridade na representação dos Estados, trazendo histórias de todas as regiões do País, incluindo de locais que ainda não eram oficialmente parte do Brasil durante as vidas desses biografados, como Acre e Mato Grosso do Sul. Houve também a preocupação de trazer à tona narrativas passadas em todos os séculos, não se atendo apenas a um período.

"O único critério é que a pessoa teria que ter falecido até a publicação", explica Lilia. "Fizemos um adendo à introdução para incluir a história do Beto Freitas, porque achamos que não podíamos deixar isso de lado", diz a historiadora em referência ao homem negro morto por seguranças de uma unidade do Carrefour em Porto Alegre.

Talvez seja justamente essa diversidade o grande mérito da obra: resgatar de um silêncio às vezes de décadas, às vezes de séculos, vozes suprimidas pela violência sobre a qual se construiu o Brasil. "O silêncio tem um som estrondoso, porque é como silenciar vidas inúmeras", arremata Flávio. "Essas pessoas sempre fizeram parte da história do Brasil, nós é que optamos por invisibilizá-las e silenciá-las", concorda Lília.

Enciclopédia visual

Além dos verbetes escritos, a Enciclopédia Negra traz 36 retratos produzidos por artistas de técnicas, idades e estilos diversos, entre quadrinistas (como Marcelo D'Salete, autor de obras de grande relevância nos últimos anos), pintores, fotógrafos e outros. E outros 80 retratos somam-se a esses em uma exposição que será aberta na Pinacoteca quando a situação da pandemia se abrandar.

Jaime Lauriano, que fez a curadoria visual do trabalho, contou que tentou traçar paralelos entre retratistas e retratados: "Busquei os artistas que mais tinham em sua poética a proximidade com os temas com os quais a gente estava trabalhando. Fizemos uma mistura entre a vida do biografado, do retratado, e a vida do artista retratante". Para ele, um dos processos mais interessantes nessa questão foi "estudar a poética do artista e entender como seus aspectos ressoavam com a história do biografado".

Além de fazer com que os retratos se tornassem "materializações da vida dos biografados", Jaime ressalta que as 106 obras serão doadas ao acervo da Pinacoteca após a exposição. "Queríamos fazer uma intervenção na arte brasileira, porque a Pinacoteca tem o maior acervo de retratos do Brasil, mas a maioria é de pessoas brancas. Quando chegamos com 106 obras dentro desse acervo, e a Pinacoteca nunca teve uma doação desse volume, fizemos uma intervenção na noção do que é um retrato, uma reflexão sobre um dos cânones mais antigos da história da arte, que é o retrato".

Para Jaime, os retratos não são um mero complemento da Enciclopédia: "O projeto como um todo é uma forma de debater e desconstruir os cânones".

ENCICLOPÉDIA NEGRA

Org.: Flávio dos Santos Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz

Editora: Companhia das Letras

720 páginas R$ 89,90 R$ 39,90 (e-book)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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Morreu nesta sexta-feira, 2, em São Paulo, a atriz mirim Millena Brandão, do canal SBT, aos 11 anos. A artista teve morte encefálica, de acordo com o hospital onde ela estava internada.

Também conhecida como morte cerebral, a morte encefálica é a perda completa e irreversível das funções cerebrais. Como o cérebro controla outros órgãos, quando é constatada sua morte, outras funções vitais também serão perdidas e o óbito da pessoa é declarado.

Millena havia sofrido diversas paradas cardiorrespiratórias nos últimos dias, recebido diagnóstico de tumor cerebral e estava internada no Hospital Geral de Grajaú, na capital, desde o dia 29.

O que configura morte encefálica?

Para funcionarem, os neurônios precisam de oxigênio e glicose, que chegam ao cérebro pela circulação sanguínea. Quando algum problema impede o fluxo sanguíneo, essas células podem morrer e as funções cerebrais são prejudicadas. Se a perda das funções é completa e irreversível, é declarada a morte cerebral.

Apesar de alguns órgãos poderem continuar funcionando, o cérebro já não consegue controlá-los. Assim, embora ainda haja batimentos cardíacos, por exemplo, eles tendem a parar. A respiração também não acontecerá sem a ajuda de aparelhos.

O que pode causar a morte encefálica?

Qualquer problema que cesse a função cerebral antes de encerrar o funcionamento de outras partes do organismo causa a morte encefálica. Entre as causas mais comuns estão:

- Parada cardiorrespiratória;

- Acidente vascular cerebral (AVC);

- Doença infecciosa que afete o sistema nervoso central;

- Tumor cerebral;

- Traumas.

Quando a morte encefálica é declarada?

No Brasil, a resolução nº 2.173/17 do Conselho Federal de Medicina (CFM) estabelece critérios rigorosos para a declaração de morte encefálica. De acordo com especialistas, o protocolo brasileiro é um dos mais criteriosos do mundo.

O CFM determina a realização de uma série de exames para comprovar a perda do reflexo tronco encefálico, aquele responsável por controlar funções autônomas do organismo, como a respiração.

Essa análise deve ser feita por dois médicos que examinam o paciente em horários diferentes, e os resultados precisam ainda ser complementados por um exame - um eletroencefalograma ou uma tomografia, por exemplo.

Morte encefálica e doação de órgãos

A "Lei dos Transplantes" (Lei nº 9.434/1997) estabelece que a doação de órgãos após a morte só pode ser realizada quando constatada a morte encefálica.

Quando isso acontece, as funções vitais do paciente são mantidas de maneira artificial até que a remoção dos órgãos seja feita.

Miguel Falabella atualizou o estado de saúde após revelar em suas redes sociais que estava com hérnia de disco. O ator e diretor publicou um vídeo nesta sexta-feira 2, gravado e compartilhado direto do hospital em que precisou ficar internado para fazer uma cirurgia.

"Quero agradecer muito as literalmente milhares de mensagens que recebi de força, carinho, de afeto", declarou no vídeo, contando já está se recuperando.

"Me operei hoje às 9h da manhã e o médico disse para mim: 'Você vai acordar sem dor'. Eu não acreditei, mas ele tinha razão."

Falabella comunicou na última quinta-feira, 1º, que estava afastado das apresentações desta semana do espetáculo Uma Coisa Engraçada Aconteceu a Caminho do Fórum, em São Paulo, por estar com muita por conta da hérnia de disco.

O ator Edgar Bustamante substitui Falabella nas sessões que vão até este domingo, 4.

No novo vídeo, Falabella comemora estar melhor. Segundo ele, a cirurgia ocorreu sem intercorrências.

"Sem dor, já acordei, já fui ao banheiro, eu estou andando. Esperando alta para ir para casa. Depois dou notícias. Muito obrigado, um beijo enorme, agora é fisioterapia e vida que segue."

Ela veio, apareceu e deu um presente: a passagem de som, que foi praticamente uma 'apresentação extra'. Nesta sexta-feira, 2, depois de quatro dias de espera, Lady Gaga surgiu aos fãs que já estão na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, aguardando o mega show da diva pop que acontece neste sábado, 3.

O ensaio não foi surpresa, ainda assim pegou os fãs desprevenidos. Uma multidão, ansiosa para reencontrar aquela que não via desde 2012, correu em direção ao palco ao ouvir a voz da cantora.

A artista dançou, tocou piano e ficou a poucos metros dos fãs. Aos gritos de "Gaga, eu te amo", a cantora se emocionou e levou a plateia ao delírio com canções como "Abracadabra", "Shallow" e "Garden of Eden".

A passagem de som, iniciada pouco depois das 20h, teve cerca de uma hora de duração, mais de dez músicas apresentadas e troca de figurino - praticamente um show completo depois da sua quase vinda ao Rock In Rio de 2017, cancelada devido a fortes dores causadas pela fibromialgia, mas que rendeu os inesquecíveis memes "Ela não vem mais!" e "Brazil, I'm devastated."

Durante o ensaio de "Vanish Into You", música de seu novo álbum intitulado "Mayhem", o público quase derrubou a barreira de contenção, mas a artista seguiu com a passagem de som sem interrupções.

Ao que tudo indica, a tão esperada apresentação terá um setlist similar ao do Coachella 2025, já que os hits 'Alejandro', 'Paparazzi' e 'Bloody Mary' também marcaram presença na passagem de som.

O show de sábado, gratuito e previsto para começar às 21h45, deve reunir mais de 1,5 milhão de pessoas na orla carioca.

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