Bolsonaro avalia afastar expoente da ala ideológica

Política
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Por pressão do Senado, o presidente Jair Bolsonaro admite afastar do cargo o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Filipe Martins. O plano de Bolsonaro é tirar Martins de sua assessoria mais direta, mas não abandoná-lo por completo. O Palácio do Planalto busca agora uma saída para não desagradar à militância bolsonarista conservadora e ideológica, que tem no auxiliar do presidente um de seus principais nomes no governo.

Martins está prestes a perder o cargo por ter repetido, anteontem, um gesto que os senadores interpretaram como ofensivo, ligado a supremacistas brancos, durante sessão de debates no Senado. Quando fez o sinal, ele acompanhava a audiência pública do chanceler Ernesto Araújo, que falava sobre as dificuldades enfrentadas pelo Brasil para a compra de vacinas contra a covid-19. A cúpula da Câmara, hoje nas mãos do Centrão, e do Senado também cobra de Bolsonaro a demissão de Araújo.

Enquanto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), falava ao vivo na transmissão pela TV, Martins - que estava sentado atrás dele - gesticulava com o polegar fechado formando um círculo com o indicador, como um "ok", e os demais dedos esticados. Balançou a mão algumas vezes, como se enfatizasse o gesto.

Senadores logo protestaram, associando o sinal a um xingamento obsceno e a uma mensagem de ódio pela qual o assessor formaria as letras WP (white power), uma saudação de supremacistas brancos. Martins negou qualquer associação com discurso de ódio. Disse que estava apenas arrumando o paletó, mas não convenceu os senadores.

"A oposição ao governo atingiu um estado de decadência tão profundo que tenta tumultuar até em cima de assessor ajeitando o próprio terno. São os mesmos que veem gesto nazista em oração, que forjam suásticas e que chamam de antissemita o governo mais pró-Israel da história", escreveu o assessor no Twitter.

Pacheco determinou que as imagens fossem investigadas pela Polícia Legislativa (mais informações nesta página). Ao Planalto, o presidente do Senado fez chegar o aviso de que quer dar uma satisfação aos colegas, que se sentiram ofendidos.

Muito próximo do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho 03 do presidente, Martins já discutiu seu futuro com o presidente quatro vezes. Tanto ele pode ir para um cargo no exterior ou ser acomodado numa função de menor exposição, que influencia menos nas decisões e discursos de Bolsonaro.

Desde o início do governo, o triunvirato que dá as cartas na política externa brasileira é formado por Ernesto Araújo, Martins e Eduardo Bolsonaro. Os dois primeiros discutiram a situação ontem com o presidente. Araújo também se reuniu com o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e se defendeu das críticas de que o Itamaraty é dominado por uma visão ideológica.

Bolsonaro ainda resiste a remover o chanceler do cargo, mas os militares querem que Araújo saia. O fiador tem sido Eduardo Bolsonaro. "Em dois anos, fomos de anão diplomático financiador de ditaduras para grande parceiro de importantes países. O ministro Ernesto Araújo tem todo o meu apoio", afirmou o deputado no Twitter.

Abandonado

Araújo está sob intensa pressão e, de acordo com seus aliados, foi abandonado pela articulação política do Planalto, comandada por um desafeto, o ministro Luiz Eduardo Ramos. A queda de Martins, no entendimento de auxiliares de Bolsonaro, poderia servir como anteparo para dar uma sobrevida a Araújo como chanceler, pois a ala ideológica do governo perderia um cargo de relevo no Planalto.

O ministro das Relações Exteriores disse ao Estadão ter muita afinidade com a visão de mundo do presidente e executar uma política externa determinada por ele, e não em caráter pessoal. Outra opção cogitada seria encontrar para o ministro um cargo que não dependa de aval dos senadores, como organismos internacionais. Um posto prestigiado no exterior que poderia ser o destino de Araújo é a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris.

Os senadores querem que o chanceler renuncie ao Itamaraty. Neste caso, para escapar da sabatina no Senado, cuja aprovação é considerada improvável, ele não poderia assumir nenhuma embaixada, mas talvez um consulado ou essa vaga na OCDE. Para o lugar de Araújo já circularam diversos nomes, quase todos políticos.

Nessa lista estão o ministro da Secretaria de Comunicação (Secom), Flávio Rocha, os senadores Nelsinho Trad (MS) e Antônio Anastasia (MG), ambos do PSD, e Fernando Collor (PROS-AL), assim como o ex-presidente Michel Temer (MDB). Do próprio governo, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM), é bem vista pela diplomacia, mas teria rejeitado sondagens. Se a opção for por um diplomata, voltaram a ser citados os embaixadores Luiz Fernando Serra (Paris), Nestor Forster (Washington) e Maria Nazareth Farani Azevedo (cônsul em Nova York).

Política externa

Um dia depois de o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), demonstrar insatisfação com a condução da diplomacia brasileira pelo ministro Ernesto Araújo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, cobrou publicamente mudanças na área. Para o senador, o País está sendo prejudicado no enfrentamento da covid-19 por "erros" cometidos na gestão de Araújo, como o não estabelecimento de relações diplomáticas com países que poderiam colaborar.

"Muito além da personificação ou exame sobre o trabalho específico do chanceler, o que tem que mudar é a política externa, ela precisa ser melhorada e aprimorada. Isso é algo que está evidenciado a todos, não só ao Congresso Nacional, mas a todos os brasileiros que enxergam essa necessidade de o Brasil ter uma representatividade externa melhor do que tem hoje", disse.

O presidente do Senado também afirmou ontem que a Polícia Legislativa investiga o gesto feito pelo assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Filipe Martins, na audiência pública do chanceler na Casa.

A bancada do PSOL na Câmara enviou ofício à Casa Civil em que pede o afastamento de Martins e a abertura de procedimento administrativo para apurar o caso. No ofício, à Casa Civil, a bancada afirma que não é a primeira vez que Martins faz "alusões públicas ao repugnante, perigoso e ilegal supremacismo branco".

"Desde abril de 2019, o assessor utiliza, como foto de fundo de sua conta no Twitter uma imagem com trecho do poema que abre o manifesto do supremacista branco, Brenton Tarrant, que, em março daquele mesmo ano, assassinou 51 pessoas em uma mesquita na Nova Zelândia. Durante seu julgamento, Tarrant fez o mesmo gesto ora performado pelo sr. Felipe Martins", escreveu a líder da sigla, Talíria Petrone.

Nas redes, Martins disse que apenas arrumava a gola do paletó. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou nesta quinta-feira, 1, que nomeará o secretário de Estado, Marco Rubio, como conselheiro interino de Segurança Nacional para substituir Mike Waltz, que foi indicado para ser embaixador dos EUA na ONU.

Trump anunciou as medidas logo após a divulgação da notícia de que Waltz e seu vice, Alex Wong, deixariam o governo.

"Tenho o prazer de anunciar que nomearei Mike Waltz como o próximo Embaixador dos Estados Unidos nas Nações Unidas. Desde seu tempo de uniforme no campo de batalha, no Congresso e como meu Conselheiro de Segurança Nacional, Mike Waltz tem se dedicado a colocar os interesses da nossa nação em primeiro lugar", escreveu Trump nas redes sociais.

"Enquanto isso, o Secretário de Estado Marco Rubio atuará como Conselheiro de Segurança Nacional, mantendo sua forte liderança no Departamento de Estado. Juntos, continuaremos a lutar incansavelmente para Tornar a América, e o mundo, seguros novamente."

Existe um precedente para o Secretário de Estado servir simultaneamente como Conselheiro de Segurança Nacional. Henry Kissinger ocupou ambos os cargos de 1973 a 1975.

Signalgate

Ex-deputado republicano da Flórida, Waltz ganhou atenção internacional em março após incluir por engano o editor-chefe da revista The Atlantic, Jeffrey Goldberg, em um grupo na plataforma Signal que reunia várias autoridades do país e onde foram discutidos ataques militares de Washington contra os Houthis, no Iêmen.

Depois do papel no 'Signalgate', o conselheiro agora é acusado de deixar a conta no aplicativo Venmo aberta.

O aplicativo tem função de pagamento online, semelhante ao Paywall, mas com funções de redes sociais que permitem que os usuários curtam e compartilhem postagens. Ele está disponível somente nos Estados Unidos.

Decisão

Aliados do núcleo mais extremista de Trump, como Laura Loomer, já criticavam Waltz desde antes do Signalgate. Segundo Loomer, Waltz faz parte de uma ala do Partido Republicano que não está em sintonia com a agenda do presidente americano.

Trump tentou evitar a demissão de Waltz e apoiou o seu conselheiro depois do Signalgate, mas a pressão do núcleo duro do presidente fez a diferença.

Em seu primeiro mandato, Trump teve quatro conselheiros de Segurança Nacional, quatro chefes de gabinete da Casa Branca e dois secretários de Estado.

A mudança de Waltz de conselheiro de Segurança Nacional para indicado a embaixador na ONU significa que ele agora terá que enfrentar o processo de confirmação do Senado, que conseguiu evitar em janeiro.

O processo, que se mostrou difícil para várias das escolhas de Trump para o gabinete, dará aos congressistas, especialmente os democratas, a primeira chance de questionar Waltz sobre sua decisão de compartilhar informações sobre um iminente ataque aéreo americano no Signal./Com Associated Press

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ, na sigla em inglês) apresentou nesta quinta-feira uma ação com base na Lei de Falsas Alegações contra três das maiores seguradoras de saúde do país - Aetna Inc. e afiliadas, Elevance Health Inc. (anteriormente conhecida como Anthem) e Humana Inc. - e contra três corretoras de seguros - eHealth, Inc. e uma afiliada, GoHealth, Inc., e SelectQuote Inc. Em nota, o DoJ alega que as seguradoras pagaram milhões de dólares em propinas ilegais às corretoras em troca da inscrição de beneficiários em seus planos do Medicare Advantage, de 2016 até pelo menos 2021.

Após o anúncio, as ações das seguradoras de saúde mencionadas operavam em forte queda em Nova York.

No programa, os beneficiários do Medicare podem optar por se inscrever em planos de saúde oferecidos por seguradoras privadas, como Aetna, Anthem e Humana. "Em vez de atuarem como consultores imparciais, os corretores réus teriam direcionado os beneficiários para os planos das seguradoras que pagavam os maiores subornos, independentemente da adequação desses planos aos beneficiários", explicou o DoJ no comunicado.

Além disso, o Departamento alega que a Aetna e a Humana conspiraram com os corretores para discriminar beneficiários do Medicare com deficiência, vistos como menos lucrativos. "Supostamente, essas seguradoras ameaçaram reter pagamentos para pressionar os corretores a inscrever menos beneficiários com deficiência em seus planos", segundo o DoJ. Em resposta a esses incentivos financeiros, os corretores ou seus agentes teriam rejeitado encaminhamentos de pessoas com deficiência e as direcionado estrategicamente para fora dos planos da Aetna e da Humana, acrescentou.

"É, no mínimo, preocupante que beneficiários do Medicare tenham sido supostamente levados a escolher planos que não eram necessariamente os melhores para eles - mas sim para as seguradoras", disse no comunicado a procuradora federal Leah B. Foley, do Distrito de Massachusetts. "As alegações de que beneficiários foram afastados intencionalmente devido às suas deficiências, por serem considerados menos lucrativos, são ainda mais repulsivas", afirmou.

Um juiz federal proibiu nesta quinta-feira, 1, o governo Trump de deportar qualquer venezuelano do sul do Texas sob uma lei de guerra do século 18 e disse que a invocação da Lei de Inimigos Estrangeiros pelo presidente republicano era "ilegal".

O juiz Fernando Rodriguez Jr, do Tribunal Distrital dos EUA, é o primeiro juiz a decidir que a Lei de Inimigos Estrangeiros não pode ser usada contra pessoas que, segundo o governo republicano, são membros de gangues que invadem os Estados Unidos.

"Nem o Tribunal nem as partes questionam que o Poder Executivo possa determinar a detenção e a remoção de estrangeiros que se envolvam em atividades criminosas nos Estados Unidos", escreveu Rodriguez, que foi nomeado por Trump em 2018. Mas, disse o juiz, "a invocação da Lei de Inimigos Estrangeiros pelo presidente por meio da Proclamação excede o escopo do estatuto e é contrária ao significado claro e comum dos termos do estatuto".

Em março, Trump emitiu uma proclamação alegando que a gangue venezuelana Tren de Aragua estava invadindo os EUA. Ele afirmou ter poderes especiais para deportar imigrantes, identificados por seu governo como membros de gangues, sem os procedimentos judiciais habituais.

Histórico

A Lei de Inimigos Estrangeiros só foi usada três vezes na história dos EUA, mais recentemente durante a 2ª Guerra Mundial, quando foi invocada para prender nipo-americanos suspeitos.

A proclamação desencadeou uma onda de litígios, enquanto o governo tenta enviar imigrantes que alegava serem membros de gangues para uma prisão em El Salvador.

A decisão de Rodriguez é significativa porque é a primeira liminar permanente formal contra o governo pelo uso da Lei de Inimigos Estrangeiros.

"A Proclamação da lei não faz referência e de forma alguma sugere a existência de uma ameaça de um grupo organizado e armado de indivíduos entrando nos Estados Unidos sob a direção da Venezuela para conquistar o país ou assumir o controle de uma parte da nação", afirmou Rodriguez. "Portanto, a linguagem da Proclamação não pode ser interpretada como descrevendo conduta que se enquadre no significado de 'invasão' para os fins da Lei de Apelações de Nova Orleans."

Se o governo refutar a ordem do juiz, recorrerá primeiro ao Tribunal de Apelações do 5º Circuito dos EUA, com sede em Nova Orleans. Este tribunal está entre os tribunais de apelação mais conservadores do país e também decidiu contra o que considerou um exagero em questões de imigração por parte dos governos Obama e Biden. Nesses casos, os governos democratas buscaram facilitar a permanência de imigrantes nos EUA.

O governo, como já fez em outros casos que contestam sua visão expansiva do poder presidencial, poderia recorrer a tribunais de apelação, incluindo a Suprema Corte dos EUA, na forma de um pedido de suspensão emergencial pendente de recurso.

Litígios

A Suprema Corte já se pronunciou uma vez sobre a questão das deportações sob a Lei de Apelação de Emergência (AEA). Os juízes afirmaram que os imigrantes supostamente membros de gangues devem ter um "prazo razoável" para contestar sua remoção do país. O tribunal não especificou o prazo.

O caso do Texas é apenas uma parte de um emaranhado de litígios desencadeado pelo entendimento de Trump em usar diversas leis para realizar deportações em massa nos Estados Unidos.

A ACLU (União Americana para Direitos Civis) inicialmente entrou com uma ação em Washington para bloquear as deportações. O Juiz Distrital dos EUA, James E. Boasberg, emitiu uma suspensão temporária das remoções e ordenou que o governo retornasse os imigrantes que haviam sido transferidos para El Salvador, mas a ordem foi ignorada pelo governo republicano./Com Associated Press