Veja a íntegra do voto de Fux para tornar Bolsonaro e mais sete réus por tentativa de golpe

Política
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O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade nesta quarta-feira, 26, aceitar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sete aliados por tentativa de golpe de Estado.

Em seu voto, o ministro Luiz Fux elogiou o relatório de Alexandre de Moraes sobre o caso e disse que o colega "esclareceu quem fez o que" no âmbito da trama golpista e "não deixou pedra sobre pedra". O magistrado ressaltou que para melhor explorar todas as observações que tem sobre o caso, é necessário aceitar a denúncia e entrar na fase de instrução do processo.

Veja a íntegra do voto do ministro Luiz Fux

Muito bom dia, senhor presidente. Queria saudá-lo, saudar o eminente procurador-geral da República, a nossa decana ministra Cármen Lúcia, o relator ministro Alexandre de Moraes, meu colega, amigo, integrante da corte, ministro Flávio Dino. Eu gostaria de iniciar exatamente por algo que o ministro Alexandre se referiu, que eventualmente o povo brasileiro poderia deixar cair no esquecimento o movimento que foi feito contra o Estado de direito e contra a nossa democracia. Isso me remonta ao discurso do professor [ininteligível], que ganhou o prêmio Nobel da Paz, no discurso que ele fez na Casa Branca, quando ele falava que o maior perigo com relação aos delitos é o perigo da indiferença, porque a indiferença é pior do que qualquer sanção. A indiferença é o castigo e é uma indiferença, não só com o Estado brasileiro, mas também eventualmente com aquelas pessoas que passam pelo crivo judicial e são esquecidas.

Então com relação ao primeiro aspecto que o ministro Alexandre tocou, eu talvez aqui falou-se de idade, eu talvez pela minha faixa etária superior, eu posso dizer que realmente nós conquistamos a democracia entre lutas e barricadas. Pude vivenciar isso, estudei em colégio público, estudei em universidade pública e vivenciei quão difícil foi para nós alcançarmos esse estágio civilizatório do Estado Democrático de Direito e tudo que se volta contra ele é repugnante e absolutamente inaceitável. O ministro Alexandre teve a gentileza de lembrar, e isso é importante para mim, ministro Alexandre, porque eu presidi o tribunal em pleno lockdown. Eu conversava com as telas dos computadores, eu não tinha com quem desabafar. E, efetivamente, eu enfrentei o dia em que tinham 800 mil pessoas na Praça dos Três Poderes e que ali estavam ouvindo discursos inflamados. E não aconteceu nada. Não aconteceu nada graças a toda uma estratégia e ao elevado valor de experiência da nossa polícia do Supremo Tribunal Federal, que eu considero uma das maiores polícias de elite. De sorte que eu acho que esses episódios contra a nossa democracia e contra o Estado Democrático de Direito, ele vai ser marcante dia após dia. Então, todos os dias serão dias da lembrança de tudo o que ocorreu. E, por isso, não se pode de forma alguma dizer que não aconteceu nada. É absolutamente impossível se afirmar isso. O que sem prejuízo de tudo quanto o ministro Alexandre nos poupou fazendo uma descrição de quem fez o quê, porque o tamanho da denúncia nos criou uma certa dificuldade, são mais de 300 páginas.

Ontem, Vossa Excelência trouxe uma síntese brilhante, que eu até pedi que Vossa Excelência me entregasse. Mas o ministro Alexandre esclareceu quem fez o que. Isso é muito importante para nós nesse momento inicial analisarmos o que a lei determina. A autoria e a materialidade. O ministro Alexandre indicou as atividades de cada um e a materialidade até foi demonstrada no próprio telão aqui da nossa sala. O que eu sopeso aqui o ministro Flávio Dino várias vezes disse: "Isso pode acontecer, mas vamos ver na instrução". Eu tenho duas observações a fazer aqui. A primeira delas é uma observação em relação, digamos assim, à própria legislação. Eu tenho absoluta certeza que se fosse em tempos pretéritos, jamais se caracterizaria a tentativa como crime consumado. Eu não tenho a menor dúvida disso. Não tenho a menor dúvida disso. Eu tenho até a impressão de que haveria arguições de inconstitucionalidade em razão da violação da Constituição brasileira, do princípio da reserva legal, da individualização das condutas que jamais se admitiria que a tentativa fosse considerada um crime consumado, mas "dura lex, sed lex", a lei prevê, está cumprido o princípio da legalidade. E o que eu, à semelhança que aqui sopesou o ministro Flávio Dino, admito, é que existe esse conjunto de crimes contra o Estado Democrático de Direito.

São dois crimes previstos do mesmo tipo. E é possível efetivamente que se possa entender, porque a doutrina ela tem evidentemente o direito é dialético, né? Então, a doutrina, há aqueles que entendem que é possível, e é bem ponderável, porque os bens jurídicos tutelados são diferentes, como também é possível que haja quem entenda que a tentativa de golpe já é um atentado contra a democracia. Isso é uma solução que se dá quando há um conflito aparente de normas. E eu me recordo, principalmente na parte criminal, que nós aqui já tivemos algumas experiências gravosas de julgar duas operações que uma acabou sendo absolutamente nulificada em todos os sentidos, é como se não tivesse havido nada da lição de Francesco Carnelutti que afirmava: "A técnica penal recorre a multiplicidades dos tipos". Ele escreveu isso na obra "As misérias do processo penal". A técnica penal recorre à multiplicidade dos tipos e disponibiliza ao juiz uma espécie de mostruário cada vez mais completo para que ele tenha condições de encontrar um tipo penal mais assemelhado. Então essa lição de Carnelutti é a base exatamente da solução de caso em que há o conflito aparente de normas. Mas como disse o ministro Dino e que eu concordo, é possível, é possível que haja o mesmo fato coincidência de ambas as normas. Eu cito o exemplo acadêmico do concurso normal, que é um exemplo acadêmico, um só ato, vários delitos, né? Mas também é possível que no curso da instrução, como destacou o ministro Dino, você chegue à conclusão de que há, na verdade, um conflito aparente que se possa encaixar em determinado tipo que seja mais abrangente do que o outro.

Agora, a partir do momento, isso também fica para a instrução, a partir do momento, não digo nesse caso específico, mas pode ser também nesse caso específico, não excluo. A partir do momento em que o legislador cria um crime tentado como consumado, aí nós vamos ter de rememorar lá nossos tempos de faculdade. Aníbal Bruno, que falava do caminho do crime, tem a cogitação, tem a preparação, tem a execução e a consolação, só que com palavras latinas, enfim, mas aqui temos que falar mais fácil para sociedade entender. Se o legislador cria tentativa como crime consumado, todo crime tem atos preparatórios. Evidentemente, todo crime tem tentativa, tá na lei. Os atos não se consumam por razões alheias à vontade do agente. Existe a tentativa do crime consumado de tentar, existem atos preparatórios do crime consumado de tentar. Então, a minha crítica a essas figuras penais é exatamente a falta de verificação desses antecedentes técnicos científicos de que, na medida em que se coloca outra tentativa como crime consumado, no meu modo de ver, há um arranhão na Constituição Federal e também não se cogitou nem de atos preparatórios e nem de tentativa do crime tentado, que é em caso consumado. Por outro lado, aliás, aqui, ministro, eu não gosto muito de brincar nesses casos, sabe? Mas aqui nesse caso específico, eu conheço realmente o, ele gosta de ser chamado de Michael, o Michael Procópio. E nem todo mundo que eu conheço, eu concordo com as opiniões, né? Nós temos dissensos também, nós nos conhecemos todos e temos dissensos. Eu não sei, eu realmente não conheço esse trabalho que ele escreveu, mas de qualquer maneira eu, há livros que eu não li e já gostei. E esse eu não li e não gostei.

Flávio Dino: É, ministro Fux, eu quero dizer ao senhor que o erro pode ter sido na minha interpretação.

Luiz Fux: Não, não, mas eu vou conversar com ele para saber a autoria. E que também, os assessores têm total independência, mas quem manda é o ministro. Se ele quiser fazer da luz a sua independência, ele escreve pra faculdade dele, porque aqui…

Flávio Dino: Não, no caso, ministro ele nem falou do concurso, ele disse que são múltiplos bens jurídicos, só para deixar claro a situação, em proveito dele, que eu já tô preocupado com a sua dosimetria agora sobre ele. Mas eu considero realmente que essa é a questão fundamental, os atos probatórios, os atos de execução, perigo ou bem jurídico, sem dúvida é um belíssimo debate pro final do julgamento.

Luiz Fux: Sim. E também, senhor presidente, aqui eu anotei, como disse no início, o problema da indiferença. O professor [ininteligível] ele tem uma obra sobre a visão da Constituição em várias mentes. E tem um capítulo ali muito interessante que fala da humildade judicial. A humildade judicial, ele cita uma frase muito interessante, ele diz o seguinte: "O juiz tem que decidir de qualquer maneira, faça sol ou chuva tem que decidir de qualquer maneira, ele tem que decidir inclusive se o céu for cair sobre a terra. Um exemplo extremo, mas ele diz que se efetivamente realmente o céu for cair sobre a terra, ele tem que pensar muitas vezes, que é aquela figura do juiz isolado que ele que tem de resolver à luz da sua independência todos os problemas. E aqui eu quero manifestar um sentimento de humildade judicial que me surgiu aqui com a fala do ministro Flávio Dino. É verdade que as penas são tratadas na lei e pela iminência dos bens jurídicos protegidos da democracia, Estado Democrático, tudo isso efetivamente leva o legislador a ter uma grande preocupação para que nós não tenhamos a indiferença com relação ao nosso período passado, em que, por exemplo, um grande penalista que foi o professor Heleno Fragoso, ele entrava dentro da sala de aula e dizia: "Boa noite, pessoal do Dops, boa noite, pessoal do SNI, o senhores estão trabalhando, eu também estou, vamos começar a aula". Então era assim, porque estavam infiltrados entre os alunos. Eu conheci muito bem isso. Meu colega de congregação, professor Barroso, foi meu colega da faculdade, também conheceu isso. Então isso é muito caro para todos nós e por isso o legislador por vezes exacerba na previsão da dosimetria da pena. Mas justiça não é algo que se aprende, é algo que se sente. Os antigos já diziam que a justiça era aquele sentimento do juiz. A carta das Sete Partidas dizia: "Os juízes devem ser homens sensíveis, saber direito, se possível". Então, essa é uma realidade da nossa profissão. De sorte que eu num exercício assim de humildade judicial, e aqui o ministro Alexandre de Moraes citou um caso que eu pedi vista recentemente, do caso do batom, eu tenho, e aqui eu falo pros integrantes da minha turma que nós temos toda a liberdade, e temos toda a o respeito pela independência e opinião de todos os colegas, que eu vou fazer uma revisão dessa dosimetria, porque se a dosimetria ela é inaugurada pelo legislador, a fixação da pena é do magistrado e o magistrado o faz à luz da sua sensibilidade, do seu sentimento em relação a cada caso concreto. E o ministro Alexandre, com seu trabalho, ele explicitou a conduta de cada uma das pessoas.

E eu confesso que em determinadas ocasiões eu me deparo com uma pena exacerbada. E foi por essa razão, ministro Alexandre dando uma satisfação à Vossa Excelência, que eu pedi vista do caso desse caso, que eu quero analisar o contexto em que essa senhora se encontrava. Eu quero analisar. Eu sei que Vossa Excelência tem a sua opinião, já exteriorizou. Nós julgamos sobre violenta emoção após a verificação da tragédia do 8 de janeiro. Eu fui ao meu ex-gabinete, que a ministra Rosa era minha vice-presidente, e vi mesa queimada, papéis queimados. Mas eu acho que os juízes na sua vida têm sempre de refletir dos erros e dos acertos, até porque, como o ministro Dino de uma certa forma mais lúdica destacou, os erros autenticam a nossa humanidade. Debaixo da toga bate o coração de um homem. Então é preciso que nós também tenhamos essa capacidade de refletir e que muitas vezes aqui é utilizado como evoluir, evoluir o pensamento ou evoluir, dependendo da ótica de alguns.

De sorte que à luz de tudo quanto aqui o ministro Alexandre expôs, porque era uma grande preocupação minha saber quem fez o quê, numa denúncia extremamente ampla e muito bem elaborada, é até uma blasfêmia dizer que o professor e jurista Paulo Gonet elaborou uma denúncia inepta, não tenho nem condições de imaginar isso. Mas, e aqui foi bem explicado e é bom que fique claro, nós estamos numa fase de prelibação, de verificação dos indícios de autoria e da materialidade dos delitos. Isso é uma fase ainda inicial e todas essas digressões que eu fiz agora, eu vou me reservar para analisar melhor no curso da instrução. E se eu quero me reservar, se eu quero me reservar no poder de avaliar, eu necessito efetivamente receber a denúncia para que eu possa aí sim aprofundar, me aprofundar em todas essas questões que eu aqui citei como observações. Porquanto em relação à autoria, materialidade, o relator e o Ministério Público legaram à turma, à sociedade, tudo quanto nós precisávamos saber para o recebimento da denúncia. Então eu quero acompanhar o eminente relator nos termos do seu voto e ao mesmo tempo dizer que nós devemos ainda manter a grande extraordinária esperança de que o nosso país continuará a viver um Estado democrático direito, onde se garante justiça, segurança, verdade e liberdade. E com esse fundamento, senhor presidente, eu queria acompanhar integralmente o relator, parabenizando por essa, eu sei que esse momento não é de parabéns, mas assim um uma referência ao seu trabalho que conseguiu fazer, digamos assim, abreviar a nossa tarefa, porque muitos imaginavam: "Ah, todos vão pedir vista, a denúncia, é muito grande". O ministro Alexandre, vamos dizer assim, em uma linguagem coloquial, não deixou pedra sobre pedra. E aqui me trouxe a paz necessária como juiz para receber a denúncia e acompanhá-lo. É como voto.

*Este conteúdo foi transcrito com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado pela equipe editorial do Estadão. Saiba mais em nossa Política de IA.

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Soldados da Tailândia e do Camboja entraram em confronto em diversos pontos da fronteira disputada entre os dois países nesta quinta-feira, 24. Segundo informações de autoridades tailandesas, 11 civis e um soldado morreram durante o conflito.

Ambas as nações se acusaram de atacar primeiro. O Exército tailandês disse que o Camboja disparou foguetes contra áreas civis em quatro províncias tailandesas, levando a Tailândia a atacar com caças F-16 e drones contra alvos no Camboja e ordenar o deslocamento de civis das áreas de fronteira.

As autoridades do Camboja afirmaram que soldados tailandeses abriram fogo primeiro contra tropas do país do sudeste asiático no templo de Prasat Ta Muen Thom, local reivindicado por ambas as nações. As forças cambojanas revidaram cerca de 15 minutos depois.

Tensões

As tensões começaram no final de maio após a morte de um soldado cambojano em um confronto na fronteira entre tropas de ambos os lados. A disputa escalou na quarta-feira, 23, quando um soldado tailandês perdeu a perna em uma explosão de mina terrestre na fronteira.

O incidente fez com que a Tailândia expulsasse o embaixador do Camboja no país e retirasse o seu embaixador do país vizinho.

As autoridades tailandesas alegaram que as minas foram recentemente colocadas em locais que ambas as partes haviam concordado que deveriam ser seguros. Eles disseram que as minas eram de fabricação russa e não do tipo empregado pelo Exército da Tailândia.

O Camboja rejeitou a versão tailandesa como "acusações infundadas", apontando que muitas minas não detonadas e outras munições são um legado de guerras e distúrbios do século 20.

Conflito

Os vizinhos do Sudeste Asiático têm disputas de fronteira de longa data que periodicamente escalam ao longo de sua fronteira de 800 quilômetros e geralmente resultam em confrontos breves que envolvem trocas de tiros.

Em 2011, uma semana de confronto entre os dois países levou à morte de 15 pessoas, incluindo civis, e fez com que milhares de pessoas tivessem que ser deslocadas.

Segundo o porta-voz do ministério da Defesa da Tailândia, Surasant Kongsiri, os Exércitos dos dois países estavam em confronto em seis áreas ao longo da fronteira.

Crise política

O confronto com o Camboja mergulhou a Tailândia em uma crise política. No começo de julho, o Tribunal Constitucional da Tailândia suspendeu a primeira-ministra Paetongtarn Shinawatra em meio uma investigação ética de que ela teria sido excessivamente deferente a um oficial cambojano durante discussões sobre o conflito na fronteira.

A conversa telefônica foi vazada ao público e levou a insatisfação dos tailandeses com a maneira que a política estava lidando com a situação.

Depois dos incidentes desta quinta-feira, Paetongtarn Shinawatra, que permanece como líder do partido governante do país, condenou o que chamou de agressão cambojana. Ela disse nas redes sociais que forças do Camboja "iniciaram o uso de armas e atiraram em território tailandês - afetando tanto oficiais quanto civis inocentes."

Já o primeiro-ministro do Camboja, Hun Manet, afirmou em um comunicado que seu país "não teve escolha a não ser responder com força armada contra essa invasão".

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China

O confronto entre a Tailândia e o Camboja apresenta uma possível abertura diplomática para a China, que tem aumentado sua influência econômica e política em ambos os países em um momento em que governos no Sudeste Asiático estão se tornando cada vez mais cautelosos em relação aos Estados Unidos.

Pequim é o maior parceiro comercial de ambos os países e investiu pesadamente em infraestrutura em cada um. Na Tailândia, a China está ajudando o governo a construir uma ferrovia para conectar Bangcoc e o sudoeste da China. No Camboja, Pequim está construindo um enorme aeroporto e financiou a construção de prédios governamentais e a primeira via expressa do país.

Um porta-voz do ministério das Relações Exteriores da China, Guo Jiakun, disse nesta quinta-feira que Pequim estava "profundamente preocupada" com os conflitos e vinha trabalhando para facilitar as conversas entre os dois lados. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

Líderes extremistas e colonos judeus se reuniram no Parlamento de Israel, na terça-feira, para discutir a expulsão dos palestinos, a anexação de Gaza e a transformação do território em um "paraíso de luxo" e alta tecnologia exclusivamente para os israelenses. O encontro foi relatado nesta quinta-feira, 24, pelo jornal britânico The Guardian, que teve acesso ao projeto.

A ideia em discussão prevê uma "expulsão voluntária" de palestinos da Faixa de Gaza para a construção de 850 mil unidades habitacionais e um moderno sistema de metrô que atravessa o território. A inspiração é ideia do presidente dos EUA, Donald Trump, que em fevereiro sugeriu transformar Gaza na "Riviera do Oriente Médio". "O direito do povo de Israel de se estabelecer, desenvolver e preservar esta terra não é apenas histórico - é uma obrigação nacional e de segurança", diz o texto do projeto.

O plano é rejeitado pelos palestinos, que reivindicam o Estado da Palestina. O maior obstáculo de Israel é o que fazer com 2 milhões de moradores no território. Daniella Weiss, líder dos colonos, afirmou ao Guardian o que considera solução. "Os habitantes de Gaza não ficarão lá. Eles irão para outros países", disse ela ao jornal. Os palestinos, ela sugeriu, seriam realocados para o Egito e "países africanos", sem especificar quais.

Weiss garante ter uma lista de 1.000 famílias israelenses que já se inscreveram para viver em Gaza. "Meu plano é transformar o território em um paraíso, torná-la uma Cingapura", afirmou. Entre os participantes da reunião de terça-feira estava o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, peça-chave da coalizão do premiê, Binyamin Netanyahu.

O primeiro-ministro nega a intenção de anexar Gaza, mas seu ministro da Defesa, Israel Katz, sugeriu a construção de uma "cidade humanitária" no sul do território, onde seriam confinados mais de 600 mil palestinos, que seriam autorizadas a sair apenas para outros países.

Especialistas consideraram o plano um exemplo de limpeza étnica e crime contra a humanidade. O próprio Exército israelense rejeitou a ideia, afirmando que seria um pesadelo para a segurança de Israel. Ativistas dos direitos humanos dizem que a expulsão dos moradores de Gaza poderia ser considerada como deslocamento forçado mesmo que os palestinos saíssem por conta própria.

"Quando uma força de ocupação retém alimentos, e esse ambiente coercitivo não deixa outra escolha à população a não ser se deslocar, isso pode constituir um crime de guerra", disse ao Guardian Janina Dill, pesquisadora da Universidade de Oxford.

A pressão sobre Israel por crimes humanitários cometidos na Faixa de Gaza chamou a atenção de líderes globais nos últimos dias.

Em uma declaração nesta quinta-feira, 24, o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, afirmou que o sofrimento e a fome que estão ocorrendo no enclave são "indescritíveis e indefensáveis" e que, embora a situação já seja grave há algum tempo, ela atingiu novos patamares e continua a piorar. "Estamos testemunhando uma catástrofe humanitária".

Starmer ainda pontuou que fará uma chamada de emergência com a França, Alemanha e Itália para discutir a situação.

Paralelamente, o presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou hoje através das redes sociais que a França reconhecerá o Estado da Palestina.

Mais de 100 organizações humanitárias e de direitos humanos alertaram ontem que o bloqueio de Israel e sua ofensiva militar contínua estão empurrando a população da Faixa de Gaza para a fome. Em carta aberta, 115 entidades, entre elas Médicos Sem Fronteiras, Mercy Corps e Save the Children, denunciaram que estão vendo "seus próprios colegas e os palestinos que atendem se definharem".

Nas últimas três semanas, pelo menos 48 pessoas morreram de causas relacionadas à desnutrição, incluindo 28 adultos e 20 crianças, informou o Ministério da Saúde de Gaza hoje, segundo a The Associated Press.