'A América Latina continua sendo uma região em disputa', diz Rafael Correa

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Afastado do Equador e asilado na Bélgica há sete anos, o ex-presidente Rafael Correa (2007-2017) continua definidor. Condenado por corrupção em um esquema relacionado à Odebrecht, Correa apoiou, em abril, Luisa González, deputada do Movimento Revolução Cidadã, contra Daniel Noboa, reeleito com vantagem de um milhão de votos. Ele alega fraude nas eleições. Ao Estadão, ele falou da esquerda na América Latina, das crises do Equador e da derrota do correísmo.

O Equador enfrenta crises em segurança e economia. Qual é o maior desafio?

Para resolver o problema econômico, tem de resolver a segurança. Quem vai investir em um país - investimento nacional ou estrangeiro - onde, se você sai na rua, te matam? Onde você tem de pagar uma cota mensal ou queimam o teu negócio? Quando tiver melhorado a segurança, o impulso na parte econômica tem de vir do Estado, porque não vai vir do setor privado. É preciso investimento público. Mas eles (o governo Noboa) não acreditam em investimento público. Então, acho muito difícil haver uma solução. O narcotráfico está infiltrado no governo, nas forças armadas, na polícia, no sistema de justiça.

É possível superar a crise com uma ação nacional?

Não existe plano de segurança. Ele (Noboa) ofereceu um plano na campanha, dizia que estava pronto, mas ninguém viu. Não é necessário um Rambo para lutar contra o crime organizado, é necessário um Sherlock Holmes, inteligência para saber de onde vêm as armas, a droga, como ela é exportada, como o dinheiro se move. O crime se combate com inteligência, tecnologia. Sabemos que a droga sai nos contêineres de banana, por que não colocar scanner nos portos? E cooperação internacional. A droga vem da Colômbia, as armas do Peru. A droga vai para a Europa, Bélgica, Holanda, EUA. Mas destruíram tudo, como as comissões binacionais de fronteira. Há setores aos quais não interessa acabar com o crime organizado, porque estão lucrando. Não existe nem a vontade nem a capacidade para lutar.

O senhor avalia que sua condenação impacta na crise de representatividade?

Minha condenação é a coisa mais ridícula. Feita às pressas em plena pandemia de covid, para me impedir de ser candidato em 2021. É o mais evidente caso de perseguição, assim como também perseguiram Lula. Eles me concederam asilo político. O que vale mais? A justiça do Equador, considerada uma das piores do mundo atualmente porque é corrupta, ou a justiça belga? Quanto a isso ter gerado perda de representatividade. Roubaram nosso partido político. Perseguiram a maioria dos líderes, tiraram meus direitos políticos, prenderam o vice-presidente. Deveríamos ter desaparecido, mas continuamos sendo a principal força política. Tiveram de cometer fraude para nos roubar as eleições. Isso demonstra a força do que somos.

Qual é o estado atual da esquerda na América Latina?

O que era a esquerda dos anos 90? Não existia. Com o Consenso de Washington, existia a hegemonia neoliberal. Depois, começam a chegar com (Hugo) Chávez, em 1998, na Venezuela. Aí houve governos em toda a América do Sul tremendamente bem-sucedidos. Em 2014, sentimos uma forte restauração conservadora. Perdemos o Equador por traição, o Brasil por golpe de Estado (ele fala do impeachment de Dilma Rousseff em 2016), a Argentina para Macri em eleição supostamente democrática. Mas depois ganhamos no Brasil novamente, na Argentina. Em quantidade, não em qualidade, hoje há mais presença da esquerda do que no início do século. A Colômbia tem um governo de esquerda. A Guatemala, em princípio, tem um governo social-democrata. Há poucos anos, tínhamos as cinco maiores economias com governos de esquerda: Brasil, México, Colômbia, Argentina e Chile. Perdemos a Argentina. Então, depende da perspectiva. Se você vê a derrota de Fernández na Argentina, retrocedemos; se você compara com os anos 90, a esquerda avançou muito. A América Latina continua sendo um continente em disputa. Estamos aqui pela missão de superar 200 anos de subdesenvolvimento, para dar prosperidade e equidade à região mais desigual do mundo.

O senhor ainda crê que o governo Maduro é legítimo?

Jamais considerei legítimo um governo que invade embaixadas, sequestra refugiados, institui sua vice-presidente. Opa, esse é Noboa. O que quero dizer é que me incomoda a hipocrisia. Se Maduro houvesse feito um décimo do que Noboa fez nesta última eleição, teriam chamado até os capacetes azuis da ONU. A Maduro não reconhecem porque ele não entregou as atas. Noboa não entregou uma única ata, quebrou todas as regras eleitorais e não acontece nada. Se apressaram em proclamar a vitória de Noboa, mas o que se pode demonstrar é a fraude. Os resultados de 13 de abril são impossíveis. Temos mesa onde retrocedemos (do primeiro para o segundo turno). Isso aconteceu em 40% das urnas. Como trapacearam? Queríamos abrir as urnas e não permitiram. Mas a pista nos deu o relatório preliminar da OEA, que agora querem minimizar, falando da tinta das canetas usadas para marcar as cédulas. Essa tinta manchou a escolha do voto ao dobrar a cédula, desenhada de forma simétrica. Contatamos um instituto criminológico e nos disseram: consigam as canetas. Conseguimos e o que descobriram é que havia dois tipos de canetas, não uma. No primeiro turno, votou-se apenas com canetas BIC, as que foram requeridas. O Conselho Nacional Eleitoral oficialmente requereu caneta de tinta e secagem rápida. No segundo turno, introduzem uma nova classe de canetas. Isso é ilegal. Quando fazem a análise de tinta (da caneta do 2.º turno), é uma tinta aquosa, facilmente apagável e transferível.

Há outros questionamentos, como Noboa ter ficado na presidência e uma erosão na democracia.

Não existe democracia no Equador. Que eleições livres são essas? Com o CNE cooptado pela presidência em estado de exceção. Noboa pulverizou o estado de direito. Deveria ter pedido licença para ser candidato, não o fez. Quando quis fazer campanha, enviou uma carta ao CNE, quando a permissão deveria ser dada pela Assembleia, de acordo com a Constituição. Ele deveria ser substituído pela vice-presidente, mas a destituiu e nomeou sua ex-chefe de gabinete. O Equador enfrenta uma verdadeira ditadura, entendamos. Isso começou com a destruição institucional e perseguição criminal contra os correístas. Com Noboa, isso se agravou. Esse rapaz acredita que pode fazer o que lhe der na telha e até agora o tempo lhe dá razão, porque ficou impune. Em abril de 2024, invadiu a embaixada do México. As piores ditaduras dos anos 70 sempre respeitaram a inviolabilidade das sedes diplomáticas e a instituição do asilo.

Grupos indígenas se afastaram por críticas a projetos de mineração autorizados em seu governo. Isso pesou para a derrota?

Não é verdade. Revertemos 3 mil concessões mineiras. Quando chegamos ao governo, tinham concedido até os parques públicos, as igrejas, povoados. Revogamos essas concessões e começamos a dar novas com absoluta responsabilidade. Se havia projeto em terras indígenas, fazia-se consulta prévia. Um dos projetos é de cobre e mineração a céu aberto. Foi uma área que a empresa comprou de mestiços. Os indígenas haviam vendido a região aos mestiços nos anos 1980 e 1990. Quando viram que havia investimento estrangeiro, os líderes indígenas organizaram invasões dizendo que eram seus territórios ancestrais. Também há maus líderes indígenas que tentam se aproveitar de diferentes situações.

Qual o legado que Mujica deixa para a esquerda?

Não para a esquerda, não para a América Latina, mas para o mundo. Mujica foi um líder que transcendeu a esquerda e a América Latina. O legado é imenso. São diferentes tipos. Tem a sua simplicidade. Quando eu fui presidente, tinha 43 anos. Nessa idade, Mujica era guerrilheiro. E estava apodrecendo vivo em uma prisão suja da ditadura uruguaia, isolado, torturado psicologicamente. E, apesar desses 12 anos consecutivos que passou na prisão, não vimos nele uma gota de amargura, de rancor. Esse é um legado de princípios e valores comuns para toda a humanidade. Pepe Mujica é um dos gigantes latino-americanos da história.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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A Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira, 19, a aceleração da tramitação de um projeto de resolução que endurece a punição para parlamentares que realizem obstruções físicas no plenário.

De acordo com o projeto da Mesa Diretora, o Código de Ética e Decoro Parlamentar passará a prever suspensão do exercício do mandato por seis meses ao parlamentar que "praticar agressão física nas dependências da Câmara" e "impedir ou obstaculizar, por ação física ou por qualquer outro meio que extrapole os limites do exercício regular das prerrogativas regimentais, o funcionamento das atividades legislativas".

A proposta passou com 266 votos a favor, 114 contra e uma abstenção. A decisão de Motta ocorreu após reunião com os líderes de bancadas, realizada no fim da manhã desta terça-feira.

De acordo com o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), todos os líderes concordaram em pautar a resolução, apenas o PL não se pronunciou. O petista também disse não saber se o tema das prerrogativas parlamentares vai estar na pauta.

Motta discursou em defesa de resolução no plenário, durante a votação. "Todos que participaram daquele momento sabem que momentos como aquele não podem e nem irão repetir. Essa é uma demonstração de que precisamos ser enérgicos com esse tipo de atitude", disse o presidente da Câmara. "Se acontecer novamente episódios como aqueles, temos a condição de punir, de sermos pedagógicos com quem não cumprir com o regimento interno."

O texto deverá passar por alterações a pedido do PL, resistente à proposta. Antes, a expectativa era de já votar a resolução ainda nesta terça-feira, 19. Motta ainda deverá escolher um relator para analisar a matéria.

Deputados bolsonaristas ocuparam a Mesa Diretora da Câmara no último dia 5. A intenção dos parlamentares era permanecerem sentados nas cadeiras da Casa legislativa para impedir os trabalhos do plenário até que se aprovasse uma anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro, o impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e a proposta de emenda à Constituição do fim do foro privilegiado.

Motta retomou a cadeira para abrir a sessão plenária somente na noite do dia 6. "O que aconteceu entre o dia de ontem e o dia de hoje, em um movimento de obstrução física, não fez bem a esta Casa. A oposição tem todo o direito de se manifestar, a oposição tem todo o direito de expressar a sua vontade", afirmou o presidente da Casa, que defendeu sempre ter lutado pelas prerrogativas dos deputados e pelo livre exercício do mandato parlamentar.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) arquivou a investigação sobre suspeita de rachadinha no gabinete do desembargador Ivo de Almeida, afastado do Tribunal de Justiça de São Paulo na Operação Churrascada.

O arquivamento não afeta a investigação que atribui ao desembargador corrupção passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa e advocacia administrativa, crimes pelos quais ele foi denunciado pela PGR.

Ivo de Almeida está afastado das funções desde que a Polícia Federal deflagrou a Operação Churrascada, em junho de 2024, e fez buscas em sua casa e no gabinete no Tribunal de Justiça.

Além do desembargador, dois servidores eram investigados: Silvia Rodrigues, assistente jurídica, e Marcos Alberto Ferreira Ortiz, chefe de seção judiciária. Eles entraram na mira da investigação porque fizeram transferências fracionadas para a conta do magistrado.

Após mais de um ano de investigação, com a quebra do sigilo fiscal e buscas nos endereços dos servidores, a PGR concluiu que não há provas suficientes para denunciar Silvia e Ortiz por suposta prática de 'rachadinha'. O inquérito pode ser reaberto se surgirem suspeitas novas.

"Conquanto existam indícios que, em tese, sugerem envolvimento colateral, tais elementos revelam-se insuficientes para demonstrar participação efetiva, consentimento ou anuência nos atos ilícitos apurados, razão pela qual não se vislumbra, neste momento, viabilidade para o oferecimento de ação penal", diz o parecer da subprocuradora Luiza Cristina Frischeisen.

Ivo de Almeida recebeu R$ 641 mil dos servidores do seu gabinete entre fevereiro de 2016 e setembro de 2022.

A Procuradoria-Geral da República considerou que Silvia conseguiu comprovar que as transferências foram feitas a título de "reembolsos por despesas cotidianas".

O desembargador sempre negou a 'rachadinha'.

O criminalista Átila Machado, que representa o magistrado, considera que o arquivamento dessa parte da investigação enfraquece as demais acusações da PGR.

O ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), prorrogou por um ano o afastamento de quatro desembargadores do Tribunal de Justiça do Maranhão, todos denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) nos autos da Operação 18 Minutos - investigação da Polícia Federal sobre suposto esquema de venda de sentenças na Corte estadual.

Noronha acolheu pedido da Procuradoria-Geral da República ao considerar 'imprescindível' a medida - para 'proteção da ordem pública e da credibilidade da jurisdição' - que mantêm longe do Tribunal os magistrados denunciados por corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro.

A decisão atinge os desembargadores Antênio Pacheco Guerreiro Júnior, Luiz Gonzaga Almeida Filho, Nelma Celeste Sousa Silva - cunhada do ex-presidente Sarney - e Marcelino Everton Chaves.

Segundo a acusação da PGR, os desembargadores e mais dois juízes de primeiro grau - Alice de Souza Rocha e Cristiano Simas de Souza - operavam verdadeira 'mercancia de decisões judiciais' com o conluio de políticos, advogados e servidores.

A Procuradoria sustenta que os juízes agiam 'no exercício e em razão das funções públicas' e com 'uso de gabinetes, assessores e estruturas do tribunal para viabilizar ilícitos'.

A trama teria resultado ao grupo togado uma arrecadação de R$ 54 milhões em propinas. Todos negam ilícitos.

A operação foi batizada 18 Minutos porque esse era o tempo entre o despacho de sentenças e o saque de valores na boca do caixa em favor de beneficiários da fraude. Ao todo, são 29 os denunciados, inclusive 13 advogados e três assessores dos juízes.

Em outubro do ano passado, os magistrados foram afastados das funções pela primeira vez na Operação 18 Minutos, quando a Polícia Federal deflagrou a fase ostensiva da investigação por ordem do ministro Noronha.

Interferências

Em julho último, a Procuradoria comunicou a Noronha que o prazo de afastamento iria expirar no dia 7 de agosto. No dia 6, ele decidiu prorrogar por mais um ano a cautelar.

Noronha aponta a 'gravidade concreta das imputações que envolvem organização criminosa supostamente instalada no âmbito do Tribunal de Justiça do Maranhão'.

O ministro também alerta para 'a necessidade de impedir interferências no andamento do processo penal originário' e na coleta de provas complementares.

Ele anotou que o afastamento deve ser prolongado diante da subsistência dos fundamentos que motivaram a imposição das cautelares, 'os quais permanecem atuais e relevantes', assim como a proibição de contatos com outros investigados e de acesso às dependências do tribunal.

Dissipação

Noronha ainda manteve de pé o sequestro e indisponibilidade de bens dos alvos da investigação 18 Minutos. Segundo ele, as medidas são 'necessárias e adequadas para impedir a dissipação do produto do crime e a frustração da reparação de dano (...) evitando a continuidade das práticas ilícitas'.

"Não há elementos novos que autorizem a revogação ou o afrouxamento das medidas", anotou o ministro.