Em depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta, 24, o general da reserva Mário Fernandes confirmou a autoria do plano Punhal Verde e Amarelo - que previa o assassinato de autoridades -, mas disse que ele "não foi compartilhado com ninguém". Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) no inquérito do golpe, o plano previa o sequestro ou a execução do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice Geraldo Alckmin.
"Não passa de um pensamento digitalizado. Hoje eu me arrependo disso, era apenas um pensamento de um militar, que não foi compartilhado com ninguém", declarou Fernandes, que foi o número dois da Secretaria-Geral da Presidência no governo de Jair Bolsonaro (PL).
O general - um dos réus do núcleo 2 da trama golpista - relatou que imprimiu o documento para ler, mas "rasgou" o papel em seguida. "Eu imprimi para não forçar a vista e logo depois eu rasguei. Não compartilhei com ninguém."
'Neutralização'
Para a Procuradoria, Fernandes assumiu a responsabilidade por "ações de monitoramento e neutralização de autoridades públicas, em conjunto com Marcelo Costa Câmara (coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro), além de realizar a interlocução com as lideranças populares ligadas ao dia 8 de janeiro".
Ao responder às perguntas do juiz auxiliar Rafael Henrique Janela Tamai Rocha, que atua no gabinete de Moraes, o general também admitiu ser o autor de uma minuta de implementação de um "gabinete de crise". Segundo Fernandes, o documento seria apenas para "assessoramento" do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) em uma eventual crise.
Conforme a PGR, no entanto, o objetivo seria "estabelecer diretrizes estratégicas de segurança e administrativas para o gerenciamento da crise institucional". O "gabinete de crise" seria chefiado pelo general Walter Braga Netto, conforme a denúncia. Ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e ex-candidato a vice de Bolsonaro, Braga Netto está preso preventivamente.
Fernandes disse que faria parte da assessoria estratégica, enquanto a assessoria de Relações Institucionais seria ocupada por Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro para Assuntos Internacionais.
'Cívica'
O general afirmou ainda que chegou a ir entre cinco e sete vezes aos acampamentos bolsonaristas em frente aos quartéis, onde manifestantes pediam intervenção militar. Segundo ele, era "uma festa cívica" de pessoas "humildes". Fernandes negou ter tido interlocução com líderes do movimento, como apontado na denúncia da PGR.
O Supremo começou ontem a ouvir os réus dos núcleos 2 ("gerência") e 4 ("desinformação") da ação penal do golpe. De acordo com a denúncia da PGR, os acusados do núcleo 2 tinham "posições relevantes" no governo Bolsonaro e "gerenciaram as ações" golpistas. Já os integrantes do núcleo 4 eram responsáveis por disseminar notícias falsas e desinformação para criar desconfiança nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral.
Minuta
Também réu do núcleo 2, Filipe Martins negou, durante depoimento, ter confeccionado uma das versões da chamada minuta do golpe, que previa meios de anular o resultado das eleições de 2022. "Tomei conhecimento pela imprensa", declarou o ex-assessor sobre o documento.
Martins foi citado na delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid. De acordo com o ex-ajudante de ordens da Presidência, o ex-assessor foi o responsável por entregar a Bolsonaro uma minuta golpista. "Não éramos amigos. Tínhamos um contato profissional", disse Martins sobre o militar.
Martins foi preso preventivamente em fevereiro do ano passado. O argumento da Polícia Federal - e acolhido por Moraes - para a justificar a prisão foi o fato de o nome do ex-assessor constar na lista de passageiros do voo presidencial que decolou do Brasil com destino a Orlando (EUA) em 30 de dezembro de 2022.
A defesa sustenta que, apesar de constar na lista de passageiros, Martins não viajou. Ontem, ele reafirmou que não saiu do País e disse que se considera um preso político, submetido a "restrições injustificadas". Em agosto do ano passado, Moraes converteu a prisão preventiva do ex-assessor em medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica.
Videogame
Ao ser questionado sobre o plano Punhal Verde e Amarelo, Martins disse que também só soube do assunto pela imprensa. Segundo ele, a vinculação de seu nome a um "gabinete de crise" é "especulativa". "Eu jogo Fifa no videogame. Ali, eu escolho Cristiano Ronaldo, Messi, Neymar. Isso não significa que eu tenha cacife para contratar essas pessoas para jogar no meu time, nem relação com essas pessoas. O que se pode inferir, a partir do que consta na imprensa, é de que aquilo ali (gabinete de crise) era uma lista meramente aspiracional."
Discussão
O depoimento de Martins foi marcado por discussões do réu com o juiz que conduziu os interrogatórios. Ao responder a perguntas, o ex-assessor passou a descrever as condições do seu período de prisão e ouviu que estava sendo "circular". "Aqui não é momento para ficar dando aula sobre o que é utilitarismo ou não, o que é pragmatismo ou não. Vamos concluir, por favor. Aqui é sobre fatos. O senhor vai concluir ou não?", repreendeu Tamai.
'Usado'
Também réu do núcleo 2, Marcelo Câmara negou participação na trama de golpe. O coronel atribuiu a Cid o monitoramento de Moraes e disse que foi "usado". Ele confirmou que o codinome "professora" identificado pela PF se referia ao ministro do STF. "Partiu do coronel Cid o termo 'professora'. Ele diz que foi uma brincadeira. Eu entrei nessa brincadeira. Não tinha o objetivo de esconder nada."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.