Amorim diz que Brasil vive 'mal-estar', mas evita classificar Venezuela como ditadura

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O ex-chanceler Celso Amorim, assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou nesta terça-feira, dia 29, que o governo brasileiro vive um "mal-estar" na relação com o regime de Nicolás Maduro, na Venezuela. Por isso, Amorim afirmou que o País discordou da adesão da Venezuela como país parceiro no Brics, o que configurou o primeiro gesto concreto da diplomacia sob Lula contra o governo chavista nos fóruns globais. Ele evitou chamar a decisão de "veto".

"Há um mal-estar hoje. Torço para que desapareça, mas vai depender de algumas ações", afirmou Amorim, durante audiência na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados.

Amorim rebateu as reações do ditador chavista veiculadas nesta segunda-feira, dia 28. Maduro acusou o Brasil de ter prometido não vetar o ingresso da Venezuela no bloco, mas depois ter traído o compromisso em Kazan. O chavista acusou o Itamaraty de uma "punhalada nas costas" e tentou poupar o petista. O Estadão apurou, no entanto, que os diplomatas que discutiam a lista de candidatos na Rússia receberam instruções de alto nível político para bloquear a pretensão da Venezuela - eles se referiam a um descontentamento do próprio Lula.

Maduro disse que ao se despedir, ainda ouviu uma negativa do chanceler Mauro Vieira, que segundo ele quase "desmaiou" ao encontrá-lo de relance nos corredores da cúpula. O ditador creditou o comunicado oficial do veto brasileiro ao embaixador Eduardo Saboia, a quem acusou de "bolsonarista" por ter atuado na gestão do ex-presidente brasileiro. Após a posse de Lula, ele se manteve no cargo de secretário de Ásia e Pacífico, que já exercia, e segue como "sherpa", ou seja, o principal negociador diplomático do País no Brics.

Os parlamentares cobraram Amorim pelo que chamaram de "chacota" de Nicolás Maduro. Marcel Van Hatten (Novo-RS) afirmou que o ministro Mauro Vieira foi "humilhado" por Maduro na TV venezuelana.

Amorim disse que, entre Mauro Vieira e Maduro, sempre vai dizer que o ministro brasileiro tem razão, mas que "formalmente não houve veto", porque não ocorreu uma votação em Kazan. "As decisões são tomadas por consenso, e o Brasil achou que neste momento a Veneuzela não contribui para o melhor funcionamento do Brics", afirmou Amorim, reiterando que a decisão é momentânea.

O assessor de Lula afirmou que o Brasil não concordou com a expansão desenfreada do Brics e pontou que os países convidados - foram 13 selecionados na semana passada - devem ser representativos nas suas regiões econômica e politicamente.

"A Venezuela de hoje não preenche essas condições. Não foi um veto. Porque existe esse mal-estar, que espero que possa se resolver à medida que as coisas se normalizem, os direitos humanos sejam respeitados, as eleições sejam realizadas, as atas apareçam", confirmou o ex-chanceler. "Não foi idelógico sequer", acrescentou Amorim, citando que o Brasil consentiu com o ingresso de Cuba, também uma ditadura comunista. O mesmo ocorreu com a Nicarágua do ditador Daniel Ortega, que vive crise com o governo Lula.

O ex-chanceler também afirmou que Maduro reagiu de forma desproporcional, mas que defende que os países ainda mantenham relações. Segundo ele, o nível de interlocução entre Caracas e Brasília diminuiu muito após o governo Lula decidir não reconhecer a alegada reeleição do chavista, por indícios de fraude. Amorim assegurou que Lula e Maduro não se falaram mais desde as eleições de 28 de julho.

"A Veneuzela, muitos elementos, estão nos acusando, a meu ver injustamente, de inimizade em função da atitude por causa do possível ingresso como parceiro do Brics."

O embaixador afirmou ainda que o Brasil se absteve em Genebra, no âmbito das Nações Unidas, durante a votação que renovou a missão de investigação de violações de direitos humanos, porque a resolução não se referia à sanções impostas à Venezuela. Elas vêm sendo combatidas pela diplomacia brasileira, com o entendimento de que também violam direitos humanos e prejudicam a sobrevivência do povo.

Celso Amorim é o conselheiro mais influente de Lula em temas internacionais. Amorim foi enviado especial de Lula para acompanhar as eleições presidenciais de 28 de julho, cujo resultado o Brasil decidiu cobrar, diante da ausência de transparência na divulgação da votação.

Tanto Maduro quanto a oposição, que foi representada pelo candidato Edmundo González, hoje vivendo exilado na Espanha, argumentam ter vencido. Maduro jamais publicou documentos que provassem os números oficializados pelo Conselho Nacional Eleitoral e validados pelo Tribunal Supremo de Justiça, ambos órgãos controlados pelo chavismo. González e seus aliados, acossados por investigações e acusados de tentar desestabilizar o país vizinho, publicaram parte das atas de urnas que demonstrariam sua vitória.

Questionado se considera a Venezuela uma ditadura, Amorim preferiu se esquivar da classificação e disse que ela não colaboraria para uma interlocução futura. Mas também não a nomeou como democracia.

"Não é um esporte rentável ficar classificando os países. Podemos ajudar se formos comedidos na linguagem", afirmou, reiterando, no entanto, que o governo não reconhece a reeleição de Maduro.

Para Amorim, se o País decidir romper com todos os governos que tem problemas no respeito aos direitos humanos não vai passar a conversar com nenhum. Algumas gestões sensíveis, defendeu o ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa, devem ser feitas com discrição, nos bastidores.

"Queremos trabalhar com interlocução ampla. Temos de ter capacidade de falar com as pessoas e influir", afirmou ele, pregando abertura ao diálogo. "É difícil aceitar certas situações. No caso da Venezuela, houve uma quebra de confiança dentro do processo eleitoral, em que apostamos muito. Algo dito não foi cumprido."

O ex-ministro disse que o Brasil ainda se dispõe a mediar um acordo entre oposição e regime e lembrou que no ano que vem devem ser realizadas eleições para governos e parlamento. Segundo Amorim, o interesse principal do Brasil é evitar que a região amazônica seja palco de um conflito geopolítico influenciado por atores externos.

"Não queremos que a Venezuela seja palco de Guerra Fria ou de conflito na Amazônia", disse o ex-chanceler.

Apesar de Maduro ter rompido com entendimentos que o Brasil respaldou, como os Arcodos de Barbados, que suspenderam sanções contra o regime para que fossem promovidas eleições livres, justas e transparentes, e não ter publicado as atas eleitorais com resultados, como prometera ao próprio assessor de Lula. Ele relatou a reunião pessoal que fez em Caracas, em julho, na residência de Maduro e afirmou que mantém com o ditador uma relação de "coleguismo" por ambos terem sido contemporâneos como chanceleres.

Com o retorno dos trabalhos presenciais do Congresso, Amorim atendeu a um requerimento para falar abertamente. O embaixador foi questionado pela tropa de choque do bolsonarismo, que se sentou na primeira fileira para questioná-lo e cobrar reações do governo. Estavam presentes Marco Feliciano (PL-SP) e o ex-ministro da Saúde general Pazuello (PL-RJ).

O deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-RJ) exibiu a foto de uma colaboradora da campanha de oposição, Maria Oropeza, que foi presa por forças policiais do regime em sua casa e transmitiu ao vivo a detenção. Ele também sugeriu que o Brasil rompa acordos com a Venezuela, congele ativos de venezuelanos no País, suspenda a concessão de créditos atuais ou futuros e ainda impeça a entrada de próceres chavistas. Segundo ele, as relações exteriores do País estão "contaminadas".

Para o deputado, da ala bolsonarista, o governo Lula tem se alinhado ideologicamente, por interesses partidários, a narcoditaduras e grupos terroristas. Amorim foi insistentemente questionado sobre por que não classificar o Hamas como terrorista, sobre as relações deterioradas com Israel - e defendeu a manutenção do veto à importação de obuseiros ao Exército - e sobre ausência de equilíbrio nas relações com Ucrânia e Rússia. Ele disse defender o contato com os dois lados - embora os ucranianos se queixem de uma tendência pró-Moscou.

Sobre as relações com Israel, ele falou que a chancelaria e o presidente Lula sofreram humilhação e considerou um "risco" fazer a Defesa brasileria depender de equipamentos bélicos altamente tecnológicos fabricados em países com os quais há rusgas políticas. Segundo ele, a compra bloqueada diplomaticamente não pode ser vista apenas do ponto de vista comercial.

O deputado Lucas Redecker (PSDB-RS), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, cobrou Amorim sobre a dívida da Venezuela com o Estado brasileiro. O ex-chanceler afirmou que o valor atual reconhecido pelo Ministério da Fazenda é de US$ 1,280 bilhão em parcelas atrasadas e mais cerca de US$ 400 milhões em juros de mora.

Segundo Amorim, houve uma tentativa de fazer um "encontro de contas" por meio da mesa estabelecida entre os governos, a partir da visita de Maduro a Brasília, em maio de 2023. O assessor de Lula afirmou que "um dos objetivos de reatar rapidamente relações era poder obter esse pagamento da dívida e poder continuar a fazer negócios positivos". "É do nosso interesse retomar, é do interesse de Roraima poder vender alimentos. Tem dificuldades e para vencê-las é necessário conversar", disse Amorim, pontuando que o país vizinho foi um dos cinco principais parceiros do Brasil e registrou o segundo superávit comercial do Brasil em 2012, atrás somente da China.

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A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, irmã da ex-vereadora Marielle Franco, executada em 2018, acionou o Conselho de Ética do PT contra o vice-presidente do partido, Washington Quaquá. O petista, que é prefeito de Maricá (RJ), publicou uma foto no dia 9 de janeiro ao lado da família Brazão e disse acreditar na inocência dos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, réus no Supremo Tribunal Federal (STF) como supostos mandantes do assassinato de Marielle e seu motorista, Anderson Gomes.

O ofício de Anielle foi protocolado nesta quarta-feira, 15, e descreve a postura do dirigente como "antiética" e "não condizente com os princípios, direitos e deveres de um dirigente partidário do Partido dos Trabalhadores".

Segundo a representação, Quaquá "tenta descredibilizar de forma irresponsável e leviana" a luta por justiça das famílias das vítimas e o próprio governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ao assumir o Ministério da Justiça em janeiro de 2023, Flávio Dino, hoje ministro do STF, afirmou que a resolução do caso Marielle era uma "questão de honra". A investigação foi federalizada e foi concluída em março de 2024. O resultado do inquérito é contestado por Quaquá.

O prefeito foi procurado pelo Estadão para comentar o ofício de Anielle, mas não havia dado um retorno até a publicação deste texto. O espaço segue aberto.

Após a publicação da foto de Quaquá ao lado da família Brazão, Anielle reagiu dizendo, sem citar o nome do prefeito, que um dirigente da sigla usava o nome de sua irmã de forma "repugnante".

Em 11 de janeiro, em entrevista ao Estadão, Quaquá voltou a defender a inocência dos irmãos Brazão, pedindo para que "juristas sérios" reavaliem o processo e associando, sem apresentar provas, a família Bolsonaro ao caso. "Eu peço que juristas sérios revejam o processo para ver se há prova contra os Brazão. Eu sei que as maiores ligações que existem entre o assassino que está sendo beneficiado com a sua própria delação é com a família Bolsonaro", disse o prefeito de Maricá.

A investigação da Polícia Federal (PF) descartou a relação da família do ex-presidente com o caso. Segundo o inquérito, o assassinato foi motivado por grilagem de terras que eram de interesse de milicianos ligados aos Brazão.

O PT está rachado sobre punições cabíveis a Washington Quaquá. Uma ala da sigla defende a expulsão do dirigente, enquanto outros filiados avaliam que o afastamento do prefeito da vice-presidência da sigla seria suficiente.

Interlocutores do partido ouvidos pelo Estadão relembram que o trâmite do Conselho de Ética da sigla costuma ser demorado e, de todo modo, depende de um aval da maioria da executiva nacional, que está prestes a ser renovada por meio de uma eleição interna, que ocorrerá em julho.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) descartou nesta quinta-feira, 16, em entrevista ao jornal americano The New York Times apoiar uma possível candidatura de seus filhos à Presidência. Bolsonaro afirmou ainda que encamparia candidatura dos filhos políticos nas eleições para o Congresso Nacional.

"Para você ser presidente aqui e fazer o correto, você tem que ter uma certa experiência", afirmou Bolsonaro.

O ex-chefe do Executivo foi questionado sobre o plano de golpe de Estado revelado pela Polícia Federal e que mostrou a participação de aliados dele na empreitada de impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2022.

Ao jornal, Bolsonaro afirmou que cogitou decretar estado de sítio após a eleição de Lula, mas voltou atrás após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), negar o pedido do PL para invalidar os votos. "Esqueça", "nós perdemos", disse ao NYT.

Ao ser questionado sobre o suposto plano de execução de Lula, seu vice, Geraldo Alckmin, e de Moraes, Bolsonaro disse que "por parte dele", "não houve nenhuma tentativa de executar as três autoridades".

"Quem quer que seja que tenha elaborado este possível plano deve responder", disse.

A Polícia Federal (PF) indiciou o ex-presidente e mais 39 pessoas, na investigação sobre a tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Bolsonaro foi indiciado por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. Os três crimes atribuídos pela corporação ao ex-presidente podem resultar em 28 anos de prisão.

O ex-presidente disse ao jornal americano que não está preocupado com o julgamento do caso. Segundo ele, "minha preocupação é quem vai me julgar".

Além da suposta trama golpista, Bolsonaro comentou a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que o declarou inelegível até 2030. Por 5 votos a 2, a Corte condenou o ex-chefe do Executivo por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação em razão da reunião em que atacou as urnas eletrônicas diante de diplomatas, em julho de 2022.

O TSE julgou que Bolsonaro usou indevidamente o cargo e a estrutura administrativa da Presidência da República para fazer campanha na reunião com embaixadores estrangeiros no Palácio do Alvorada.

Bolsonaro caracterizou a decisão como uma "violação à democracia" e que busca caminhos jurídicos para ser candidato nas próximas eleições.

A Corte Eleitoral também condenou Bolsonaro à inelegibilidade em três ações que atribuíram ao ex-presidente abuso de poder político, abuso de poder econômico e conduta vedada nas comemorações do dia 7 de setembro de 2022.

Bolsonaro apela para Trump, Musk e Zuckerberg

O ex-presidente ainda disse que o convite que afirma ter recebido para a posse de Donald Trump o deixou tão animado que não vai mais "tomar mais Viagra". Em entrevista ao NYT, Bolsonaro demonstrou entusiasmo pela posse do aliado reeleito, marcada para segunda-feira, 20, e disse que "pede a Deus" pela chance de "apertar a mão" do aliado reeleito nos Estados Unidos.

Apesar do otimismo de Bolsonaro, Moraes negou a devolução do passaporte nesta quinta-feira, 16. A entrevista ao jornal dos EUA foi dada antes da decisão do STF.

A desembargadora Clarice Claudino da Silva, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, arquivou uma reclamação disciplinar que atribuía a um colega dela, o desembargador Sebastião de Moraes Filho, 'participação em negociação criminosa'. Em seu despacho, Clarice diz que Moraes Filho foi alvo de "meras ilações e denúncias infundadas".

Moraes Filho está afastado das funções desde o início de agosto do ano passado, por ordem do Conselho Nacional de Justiça em meio a denúncias que o ligam a suposto esquema de venda de sentenças na Corte estadual.

A investigação que mira o magistrado está sob tutela do ministro Cristiano Zanin Martins, do Supremo Tribunal Federal, porque o mesmo procedimento aponta para assessores de ministros do Superior Tribunal de Justiça e também advogados e lobistas sob suspeita de compra de sentenças.

A acusação ao desembargador foi feita pelo advogado Carlos Naves de Resende, de Rondonópolis, interior do Estado. Como mostrou o Estadão, Naves chegou a pedir proteção à polícia, à OAB e ao Supremo Tribunal Federal após receber ameaças de morte e uma proposta de suborno em meio a uma disputa judicial sobre 224 hectares de terras, divididos em duas glebas.

Clarice Claudino deixou a presidência do Tribunal na virada do ano. Sua passagem pela cadeira número 1 da Corte deixou polêmicas. A principal delas sobre o 'vale-peru', auxílio alimentação de R$ 10 mil que concedeu a todos os magistrados em dezembro e de R$ 8 mil aos servidores - benefício cancelado por ordem do Conselho Nacional de Justiça, mas que acabou sendo pago.

Detentora de um holerite alentado - R$ 130 mil líquidos mensais, em média - Clarice enterrou o pedido de investigação sobre o colega em despacho da última quarta-feira, 15. Ela não viu na denúncia do advogado detalhes que indiquem violação de deveres funcionais por parte de Moraes Filho.

"Não é razoável sequer admitir a instauração de sindicância ou qualquer outro procedimento administrativo disciplinar sem que se verifique um único elemento probatório, nem mesmo indiciário, que possa caracterizar como falta funcional ou ilícito penal, tudo não passando de meras ilações e denúncias infundadas", sentenciou a desembargadora.

Carlos Naves de Resende atribuiu a Luciano Polimeno, parte interessada na ação das terras, as ameaças que alega ter sofrido. Polimeno teria dito a Naves que havia 'comprado' o desembargador Sebastião de Moraes Filho para obter uma decisão favorável a seus interesses no litígio. "Marca comigo o lugar para nós trocar tiro", ouviu Naves no celular.

O advogado gravou as conversas com Polimeno e preservou a transcrição por meio de atas formalizadas no Serviço Registral e Notarial do Distrito de Cristo Rei, em Várzea Grande, nos arredores de Cuiabá. Depois, levou os documentos ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso na denúncia que imputa ao desembargador 'participação em negociação criminosa'.

Em sua defesa, o desembargador alegou que não há provas que o vinculem à versão do advogado. Disse não ver infração disciplinar e defendeu que Naves busca anular uma decisão judicial por meio de um processo administrativo.

Moraes Filho também contestou uma gravação que Naves fez de uma conversa entre os dois. O magistrado afirma que o áudio é ilícito e não pode ser utilizado como prova.

Na gravação o advogado confrontou Moraes Filho sobre suposto recebimento de propinas em processo referente à disputa das terras. "Eu sou magistrado, não faço acordo, mas que filha da puta", reagiu o magistrado, na ocasião em que foi gravado.

Ao analisar o caso, a desembargadora Clarice Claudino da Silva afirma não ter encontrado "qualquer indício autorizador da instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar". Ela descartou os áudios e atas juntados à apuração por se tratarem, segundo sua avaliação, de "fatos e atos relacionados à enredo existente entre pessoas totalmente alheias" ao desembargador citado na denúncia do advogado.

Para a magistrada, "não é possível verificar indício" de que o colega tenha agido de forma parcial ou ilícita. Clarice apontou que Moraes Filho "tão somente exerceu a jurisdição" no caso das terras sob disputa.

Em sua decisão, a desembargadora enfatizou as alegações de Luciano Polimeno, via seu advogado constituído no caso. Ele alegou que não conhece Sebastião de Moraes Filho, "nunca o viu pessoalmente, nunca houve contato e jamais ocorreu qualquer tipo de oferecimento de vantagem indevida". A defesa sustenta que o cliente sofre de "transtornos psiquiátricos".

"Não restou demonstrada qualquer atuação dolosa, desidiosa ou irregularidade na prestação jurisdicional capaz de macular a conduta funcional do desembargador", afirma Clarice.

A decisão da desembargadora foi encaminhada à Corregedoria Nacional de Justiça que, no início de agosto do ano passado, afastou Moraes Filho das funções no âmbito de suposto envolvimento com um esquema de venda de sentenças descoberto a partir do conteúdo do celular do advogado Roberto Zampieri, assassinado a tiros em dezembro de 2023 em frente ao seu escritório em Cuiabá.

Zampieri era conhecido como o 'lobista dos tribunais', por tráfico de influência em gabinetes de magistrados estaduais e de ministros do STJ. Em seu celular, a Polícia de Mato Grosso resgatou diálogos que indicam, segundo o CNJ, "amizade íntima" entre Zampieri e o desembargador Moraes Filho.